Um euro humilhante

A história do Banco Popular confunde-se com a de Luis Valls, que se achava um predestinado

A moeda que se dá a um pedinte foi quanto o Santander pagou pelo Banco Popular Español, outrora uma referência de gestão sã e prudente. 

A história do BPE cruza-se com a de Luís Valls Taberner, o seu carismático presidente. Nascido no ano da fundação do BPE (1926), foi um distinto académico, até ingressar no banco, em 1957, como vice-presidente executivo. Em 1972 assumiu a presidência, cargo que exerceu até 2004. Esteve, assim, quase meio século à frente de um dos ‘sete grandes’ da banca espanhola.

O sucesso pessoal, e a obsessão de copiar o líder do Opus Dei, trouxeram a Luís Valls o egocentrismo, a arbitrariedade e a vaidade dos intocáveis. Conheci a pessoa e sempre me incomodou ouvi-lo vangloriar-se de feitos que atribuía à ‘superioridade dos eleitos’: uma casta de virtuosos, cultos, inteligentes, elegantes… e influentes. 

Votava às ‘pessoas comuns’ um desprezo que não disfarçava, mas também não queria a seu lado pessoas brilhantes que o pudessem ofuscar. Num palco que pretendia só para si, apenas consentia figurantes mudos. Rafael Termes, reputado especialista de banca, brilhante comunicador e presença obrigatória em colóquios e conferências, foi a mais célebre das vítimas, afastado de uma forma que causou escândalo nos meios financeiros espanhóis. 

Durante anos, o Banco Popular foi reconhecido pelo conservadorismo, patente em duas máximas do presidente: «No Popular há objectivos para tudo menos para o crédito» (leia-se: para cumprir objectivos, quando não há crédito de bom risco, as agências não hesitam em aceitar o ‘refugo’); «a los pioneros se los comen los índios» (tradução: se há inovação, o Popular deixa-se ficar para o fim). 

No último trecho do seu consulado, o presidente era um eremita que ocupava um piso inteiro do Edifício Beatriz. Num dia em que tive o ‘privilégio’ de subir à ‘planta presidencial’, confidenciou que nunca almoçava só com um administrador: «Ou todos, ou nenhum, assim não podem invocar conversas particulares!» Enquanto falava, apontou três fotografias: com Josemaria Escrivá, com o Rei de Espanha e com Marcelino Camacho, feroz comunista e terror dos patrões. O comentário foi sibilino: «A sabedoria está na equidistância».

Desaparecido o presidente Valls, os sucessores apressaram-se a trair o ADN do banco, enveredando pela batalha do crescimento, que exigia a expansão da carteira de crédito. Fizeram-no numa altura perigosa, quando só restava crédito marginal. O maior apetite ao risco era uma novidade e ninguém sabia como lidar com ela. Foi um desastre!

Contra o que pensava, Luís Valls não era um predestinado. O recolhimento a que se sujeitou deveria criar a aura de mito, mas foi, acima de tudo, um embuste – para que não ficasse a nu a sua condição de homem comum. A biografia (Um Banqueiro para a História) fala de um visionário, de um príncipe, de um ‘cardeal’, qualificações que não recusaria. A prudência de outrora não o levou a pensar no tempo que viria depois de si. Quem sabe, ter-se-á reservado uma vingança mesquinha: «Depois de mim, que venha o dilúvio!». Ironicamente, a teia urdida para aniquilar concorrentes e adversários foi a mesma que condenou o banco a uma morte humilhante!