Cunhas e e-mails

Exijo ver tudo isto investigado, mas não condeno ninguém  sem provas concretas

Há largos anos, um amigo meu e proeminente figura na vida política portuguesa dizia-me: «Nem imaginas as cunhas que me metem para tudo e mais alguma coisa, seja para posições nas listas de candidatos a deputados, seja nas listas para as autárquicas», concluindo estar «saturado de tanto choradinho». Teve como resposta o meu sorriso! Como desmentir o indesmentível, sobretudo quando tantas vezes ouvimos pecha similar na nossa vida diária?

A ‘cunha’ está tão enraizada na sociedade portuguesa que acabamos por achá-la natural e sorrimos com benevolência. Todos temos casos para contar, mais ou menos perto de nós; alguém que se nos dirigiu para o efeito ou alguém a quem nos dirigimos para o efeito… Quantas vezes o desemprego de uma pessoa que estimamos nos aflige e nos torna permeáveis a pedidos mais ou menos compungíveis? Digo isto apenas para referir que, neste caso, não há santos, apenas pecadores. A ‘cunha’ é uma praga nacional.

Quando leio no jornal que tantos se insurgem com os empregos da família César a propósito de mais um na CML, pergunto a mim mesmo em que mundo vivem estes ‘santos’, sobretudo quando políticos que estiveram no Governo empregaram tantos e tantos assessores, na sua esmagadora maioria, se não na totalidade, da sua cor política? 

Não quer Isto dizer que não deveria haver recato, sobretudo quando se trata de família. Ao que li, a sobrinha de César foi alegadamente admitida sem sequer uma entrevistazinha de reconhecimento de capacidades feita por uma entidade independente. Teria sido por receio de ‘chumbo’? Verdade ou mentira, esta nossa política está cheia de casos mais ou menos similares, todos eticamente pouco recomendáveis. E o mais preocupante é que os visados nestas práticas disparam para todo o lado, como se fosse natural o erário público ter de suportar estes encargos. 

Alguns dir-me-ão que é só mais um caso. A esses respondo que há que começar a moralizar a vida pública por qualquer lado. Profissionalmente, sempre aprendi o conceito de ‘tone of the top’. Ou seja, começar a dar exemplos por cima. Mas aqui os exemplos de cima funcionam… ao contrário — tantos são os casos de amigos estrategicamente colocados em lugares-chave, sobretudo aquando das mudanças de Governo, em que as direcções-gerais e administrações são invariavelmente substituídas para meter os apaniguados e correligionários. 

Há tempos, numa universidade e a propósito de empregos, ouvi vários jovens referir que a maneira mais segura de conseguir um emprego era militar numa ‘jota’. Fiquei estarrecido quando, entre eles, não existia uma única ideia política subjacente à militância, inclusive referindo que, sendo ‘A’ do Alentejo, o que lhe convinha mais era ser de esquerda, e tanto lhe fazia qual; e sendo ‘B’ do centro do país, estava hesitante entre PS e PSD; e outro de Aveiro afirmava que, para ele, o que lhe dava vantagens acrescidas era mesmo o CDS. Help! 

Estes jovens chegam à política sem mundo, vivem dos compromissos e com compromissos, ambicionam lugares numa estrutura qualquer. Claro que não são todos assim; mas, sendo muitos, o futuro fica preocupante.

Outro tema que perpassa a vida pública é este caso dos e-mails no futebol. Com a maior das naturalidades, todos peroram dando por irrefutáveis as acusações proferidas por alguns, com base em comprovada (e logo esquecida) violação de correspondência informática — até aqui, o único e comprovado crime. 

Como benfiquista, desejo o cabal esclarecimento de tudo, doa a quem doer. Não meto a cabeça na areia, tanto o fumo indicador de fogo. Perante tantas hesitações e absurdas faltas de memória (em que ‘filme’ é que recentemente vimos isto?), até tenho de começar a pensar que uns tantos escreveram na verdade e-mails indiciadores de tráfico de influências, ou porque as exerciam de facto ou apenas por idiota vaidade de se autopromoverem como ‘gajos importantes’. 

Tudo isto exijo ver investigado — e, se tiver de haver punições, que as haja. Mas também ninguém condeno sem provas concretas. E as únicas, até agora, são de violação de correspondência.