Khashoggi. O vendedor de armas que se afogou em extravagâncias.

Milionário saudita mediou alguns dos mais lucrativos negócios de armas dos anos 70 e 80. Morreu no passado dia 6 de junho, em Londres, depois de uma vida de luxos e excessos

O título escolhido por Ronald Kessler para sua a biografia, diz quase tudo sobre a imagem que Adnan Khashoggi, falecido no passado dia 6 de junho, em Londres, fez por cultivar: O Homem Mais Rico do Mundo. Ainda que pelos bolsos do empresário saudita tenham passado muitos milhões de dólares, a sua fortuna nunca se aproximou, nem de perto nem de longe, dos valores exorbitantes encontrados no Olimpo dos mais abastados. Mas é a utilização exata dessa descrição de Kessler, datada de 1986, que melhor espelha o impacto causado por Khashoggi, no auge da sua ‘carreira’, nas décadas de 70 e 80 do século passado. Porque na verdade, o saudita aliou o protagonismo na mediação de alguns dos negócios de armas mais lucrativos do globo, com um estilo de vida em tudo extravagante. E vivia bem nessa pele de poderoso.

Nascido na cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita, a 25 de julho de 1935, Adnan era o filho mais velho do médico pessoal do Rei Ibn Saud. Após completar os estudos básicos e secundários no Egito, partiu para os EUA para estudar engenharia, numa instituição que pertence à atual California State University. 

Foi em solo americano que identificou infinitas oportunidades de negócio, passíveis de serem replicadas numa Arábia Saudita que dava os primeiros passos na exploração e venda das suas descomunais reservas de petróleo. A primeira grande internacionalização que intermediou, de uma empresa para o seu país, foi a da Kenworth, a conhecida companhia norte-americana de camiões. E o primeiro cliente foi, nada mais nada menos, que o grupo de construção da família de Osama Bin Laden.

A aliança comercial com dois meios-irmãos do príncipe saudita Saud – que viria a ser rei, mais tarde – permitiu a Khashoggi relacionar-se com alguns dos homens mais poderosos do país e abriu-lhe portas para o seu negócio de eleição: o das armas. Em 1962, o empresário foi figura-chave no fornecimento de armamento ao Iémen, no conflito com os rebeldes financiados pelo Egito, e nunca mais parou.

Khashoggi foi intermediário de empresas como a Rolls Royce, a British Aircraft Corporation, a Marconi ou a Westland e foi um dos principais responsáveis pelo apetrechamento dos exércitos de alguns dos principais países do Médio Oriente, com caças F-5, mísseis Hawk e aviões de carga C-130. 

Na fase mais proveitosa da sua vida, recebia cerca de 15% em comissões e de acordo com uma investigação do Senado norte-americano, de 1975, o empresário chegou mesmo a receber 45 milhões de dólares do Governo francês, por um negócio de tanques, e outros 7 milhões do Reino Unido, por um acordo que envolvia a venda de helicópteros. «Se alguém oferecer dinheiro a um Governo para o influenciar, trata-se de corrupção. Mas se alguém receber dinheiro [de um Governo] por serviços prestados, trata-se de comissão», defendia-se o próprio, citado pelo The Guardian.

O famoso escândalo Iran-Contra, em 1986, que abanou a administração Reagan, no qual funcionários da CIA permitiram o tráfico de armas para o Irão, sujeito a embargo, numa tentativa de comprar a libertação de reféns das mãos do Hezbollah e ao mesmo tempo financiar milícias da Nicarágua, teve igualmente mão de Khashoggi.

O envolvimento neste e em alguns dos mais lucrativos e importantes negócios de armas dos anos 70 e 80 ofereceu ao empreendedor saudita um estatuto social, empresarial e político excepcional, e tinha tudo para rechear a conta bancária até ao fim dos seus dias, mas alguns negócios mal geridos – esbanjou milhões em hotéis nas ilhas Fiji, em moda francesa, em gado no Brasil, em bancos californianos, em petróleo do Sudão ou em empreendimentos turísticos no Egito – e um estilo de vida extravagante, fizeram-no cair em desgraça, trouxeram à baila acusações judiciais e minaram a sua credibilidade para sempre.

É que Adnan Khashoggi casou-se três vezes e foi pai de oito filhos, mas isso nunca o impediu de viver uma vida boémia. Era visto frequentemente em discotecas caras, em festas de arromba, e em iates luxuosos, com modelos ou acompanhantes de luxo, cuja companhia gostava de incluir no pagamento das dívidas que ia acumulando. Chegou a ter 12 casas, mais de mil fatos e um jato privado personalizado, descrito por muitos como «uma discoteca voadora de Las Vegas».

O estilo exuberante e o desregramento cada vez mais propalado e exibido sem escrúpulos na conservadora sociedade saudita, no final dos anos 80, acabou por causar embaraço junto da cúpula da monarquia do país, particularmente no círculo próximo do Rei Fahd e do príncipe Sultan, e Khashoggi foi perdendo influência e credibilidade, tanto na Arábia Saudita, como no mundo ocidental.

As acusações de suborno, fraude e corrupção de que foi alvo, nos EUA e na Tailândia, marcaram o início do o fim dos tempos dourados de Khashoggi, que dividiu os últimos dos seus 81 anos entre o Mónaco e Riade, numa existência arredada dos holofotes.

Mas quando questionado sobre os seus excessos, numa entrevista recente, o milionário saudita nega quaisquer remorsos: «Que fiz eu de mal? Nada! Comportei-me de forma pouco ética por razões éticas».