Vicente Gouveia. “A arquitetura serve para melhorar a vida”

Os arquitetos portugueses da Visioarq ganharam um importante galardão internacional com uma obra que consegue prolongar um edifício histórico de modo a criar uma continuidade moderna, prolongando um património e valorizando um passado

Os arquitetos portugueses da Visioarq, com sede em Coimbra, que estiveram envolvidos no projeto de extensão do Palácio da Igreja Velha, em Vila Nova de Famalicão, receberam em Nova Iorque o Prémio do Público da Architizer. O projeto ganhou o “Popular Choice Award” da maior plataforma online do mundo da arquitetura, no concurso Architizer 2017. O Palácio da Igreja Velha arrecadou mais de 300 mil votos. Na Visioarq trabalham os três sócios fundadores mais cinco arquitetos, três designers e uma pessoa da área da arquitetura de interiores. Para nos falar dessa grande aventura conversámos com Vicente Gouveia que, juntamente com Nuno Poiarez e Pedro Afonso, é um dos fundadores da Visioarq. 

Um prémio destes, atribuído por 300 mil pessoas que conhecem e sabem de arquitetura, é um feito. Achavam possível vencer essa distinção?

Para nós, o mais importante era passar para a short list, que era determinada por um júri internacional, com um painel dos pares. Isso significava já um reconhecimento internacional do nosso trabalho. Mas a votação do público não era o menos importante, a arquitetura é feita para as pessoas, para além de que muita gente que votou era gente com conhecimentos e do meio da arquitetura. A obra já tinha sido nomeada para uma short list dos prémios de arquitetura WAN Awards, em Londres. Por isso, tínhamos alguma expetativa de que a obra fosse bem acolhida. 

O escritor Paulo Varela Gomes, que era historiador de arte, citava muitas vezes a frase “a arquitetura é o mijo dos príncipes”, querendo dizer com isso que os poderosos queriam assinalar o seu poder com ela. Para si, a arquitetura é isso?

Não. Eu prefiro a frase de um célebre arquiteto, Adolf Loos, que dizia: “Os bolcheviques querem fazer de toda a gente um proletário, eu quero fazer, com a arquitetura, de toda a gente um aristocrata”, o que é, para mim, dar qualidade nas construções, ocupar o espaço de uma forma que permita dar mais qualidade de vida às pessoas. E que a própria vida das gentes possa melhorar a vida das gentes com essa intervenção. A arquitetura serve para melhorar a vida.

O arquiteto Diogo Seixas Lopes defendia que não havia um entorno ao qual a arquitetura se devia subordinar, mas que a própria arquitetura também produzia o próprio meio em que se inseria. Ao fazerem este novo edifício no Palácio da Igreja Velha, em Vila Nova de Famalicão, que foi premiado, que é uma continuação de uma igreja, têm simultaneamente de fazer algo novo, mas tendo em conta o edifício que prolongam. Como o fizeram?

Estes desafios são os momentos mais importantes do trabalho. Fazer uma intervenção num espaço que não tem história nem referências é um exercício puramente volumétrico e funcional. Neste caso, aquilo que preexistia, o palácio edificado em 1881, tinha de ter um papel fundamental em três ordens de fatores: primeiro, na implantação; segundo, na forma; terceiro, na materialização do edifício. A conjugação destes três fatores determina uma boa integração no espaço. A nível da implantação tivemos o respeito máximo pelo que era o edifício histórico edificado. Quando chegámos ao local identificámos uma série de intervenções dissonantes que tinham sido construídas durante a história mais recente, mas que tinham cortado a lógica natural de evolução deste edifício. O que fizemos foi eliminar tudo o que eram dissonâncias construídas, procurar quais eram os eixos principais da edificação original e dar-lhe um remate que fechasse aquele edifício. Depois, como base conceptual utilizámos uma característica muito importante naquela zona do país que é o espigueiro. Nós quisemos reinventar o espigueiro do séc. xxi, obviamente com uma função diferente, mas mantendo volumetricamente essa estrutura. Num terceiro ponto tivemos de materializar a questão da forma para obter uma integração perfeita. Aí houve uma série de fatores de forma a conseguir isso. Fernando Guerra, que faz a fotografia profissional da obra, tem umas imagens muito felizes obtidas a partir de um drone com que se faz uma panorâmica sobre o palácio. E verificámos que a cobertura que nós definimos para o novo edificado se integra perfeitamente no conjunto do palácio e na paisagem natural, e com a vegetação e os tons de terra. Utilizámos também muitos materiais da região, como o granito de Viana, que é usado no palácio. E utilizámos novos materiais como o betão. A pala que faz o eixo central é feita de betão, e aí temos de tirar o chapéu à equipa de engenharia, que produziu uma peça escultórica que revela de alguma forma uma característica daquele edifício: contrariar a lógica dos materiais. Temos um volume com uma massa muito grande, pousada numa pala esbelta, com sete centímetros de altura de betão, e assente sobre vidro, que lhe dá uma enorme leveza. É esse tipo de sensações que se cria para quem visita a obra. 

Disse que a arquitetura é feita para as pessoas. Se o vosso ateliê tivesse de construir um bairro social, o processo de definição daquilo que seria o bairro seria participado com os futuros habitantes? 

Claramente. O estrato social de um cliente ou de um dono de obra não tem grande importância. A essência de base da arquitetura é uma única: o arquiteto apropria-se de um espaço vazio e vai preenchê-lo com um edificado que tem como único propósito servir as pessoas. E o programa funcional que é definido e a relação que o arquiteto tem de ter com as pessoas que vão habitar essa casa são iguais para toda a gente. Já projetámos hospitais, centros comerciais e outros edifícios, e, em cada área funcional, a relação com o cliente é determinante para o servir. E isso só se consegue determinar com o contacto com as pessoas. Dando um exemplo, quando construímos um hospital, temos de ouvir uma série de pessoas antes: médicos, enfermeiros, empregadas de limpeza. O estrato social não interessa. O que interessa é a verdade que o edifício tem de incorporar.

 A primeira vítima da crise foi quase a arquitetura. Ela já está a recuperar em Portugal?

Respondendo diretamente: já está. Curiosamente, para o nosso gabinete, a altura da crise foi a de maior crescimento porque nos obrigou a buscar outros mercados. E tivemos de procurar e entrar em mercados emergentes que nos deram bom retorno, nomeadamente Angola e China, e, agora, Omã. Isso permitiu-nos tentar outras oportunidades.