Europa grande outra vez?

M&M sonham com uma Europa grande outra vez. É bom que não seja ‘bullshit’ e que alguma coisa mude de facto. 

On Bullshitt é um livro de 2005 assinado pelo professor de filosofia Harry Frankfurt. Um dos traços mais inquietantes da vida pública, argumenta o académico de Princeton, é as pessoas terem deixado de se preocupar em ‘distinguir a verdade da falsidade’. A culpa é dos charlatães. Eles, e a sua ‘bullshit’, estão por todo o lado. O charlatão não falseia necessariamente a verdade – ocasionalmente até pode nem estar longe dela. Mas como o seu principal objetivo é criar perceções, não tem nenhuma preocupação com os factos. Tão pouco opera dentro das fronteiras morais do que é verdadeiro ou falso. Tudo isso é acessório.

Embora nem todos os charlatães sejam populistas, todos os populistas são charlatães. E se no final de 2016 eles pareciam ter o momentum do seu lado, ganharam eleições dos dois lados do Atlântico, chegamos a meio de 2017 e a história é outra: por todo o lado os eleitores europeus estão a derrotar a charlatanaria. A maré populista está a vazar.

No Reino Unido, o eurocéptico UKIP foi varrido do mapa e não conseguiu eleger um único deputado. Em Itália, o Movimento 5 Estrelas do comediante Grillo – o homem que diz que o Bronx tem menos criminosos que o parlamento italiano –, teve resultados pesados nas municipais. Marine Le Pen, que chegou a transformar a Frente Nacional no maior partido francês, queria 50 lugares na Assembleia Nacional. Olhando para as sondagens não terá mais do que cinco. Na Alemanha a extrema-direita da AfD pode nem conseguir chegar aos 5% que lhe garantem entrada no Bundestag. Mais a norte, os Verdadeiros Finlandeses estão num violento processo de cisão interna. E na Áustria, uma das mais sólidas formações xenófobas da Europa, o Partido da Liberdade, perdeu a liderança nas sondagens para o jovem (30 anos) ministro dos negócios estrangeiros do centro direita, Sebastian Kurz.

A crise no arco populista é abrangente. Ao mesmo tempo, a defesa da Europa recuperou terreno. Com vitórias para as forças moderadas na Áustria, Holanda e França, a Europa está a dar 3-0 aos radicalismos populistas que, ainda assim, têm hoje uma maior fatia de votos do que no passado.

Os discursos têm sido importantes para esse desfecho. Emmanuel Macron fez-se eleger com uma atitude positiva e com intervenções muito marcadas pelas ideias de ‘futuro’, ‘sonho’ e ‘esperança’. Com as eleições legislativas em setembro, Angela Merkel e Martin Schulz disputam o título de campeões do europeísmo em Berlim. E mesmo em Londres, onde os eleitores sinalizaram que não querem um divórcio com a Europa a todo o custo, Jeremy Corbyn mostrou que, afinal, as pessoas querem ouvir mais do que soundbites martelados até à exaustão pelos media. Goste-se ou não, há tempo e disponibilidade para ouvir discursos genuínos, com esperança e alternativa política.

AEuropa tem razões para comemorar? Vamos com calma. Algum alívio para um clube que se habituou a viver em crise permanente é bem-vindo. Mas as condições que promoveram a ascensão dos populismos não se alteraram de um dia para o outro. Os problemas com a qualidade do emprego (mais do que com a criação de trabalho), a integração de imigrantes, a desigualdade económica, o choque tecnológico que marginaliza franjas consideráveis da sociedade e a pressão demográfica sobre um Estado Social cada vez menos capaz de acorrer a todos, são fatores de tensão de longo prazo.

Macron e Merkel puseram o eixo franco-alemão no centro da integração europeia. M&M sonham com uma Europa grande outra vez. É bom que não seja ‘bullshit’ e que alguma coisa mude de facto. Caso contrário, a vitória será dos charlatães.