Rússia-Portugal. Cuidado com os operários que têm pátria!

Contra um adversário que não terá, muito provavelmente, o atrevimento dos mexicanos, a selecção nacional vai ser obrigada a maior iniciativa. Não seria de espantar que Fernando Santos fizesse alterações

MOSCOVO – Não, e com todo o respeito, como diria o meu amigo Jorge Palma, não venho aqui contrariar o Manifesto. Venho sublinhar a vontade de Stanislav Cherchesov, que vem dizendo, desde o primeiro dia, que há nos russos uma grande vontade de conquistar esta Taça das Confederações que organizam já tendo em vista os preparativos para a fase final do Campeonato do Mundo do próximo ano. Depois de terem batido a Nova Zelândia por 2-0 na primeira jornada do grupo, o empate entre o México e Portugal ter-lhes-á caído no colo que nem ginjas, ganhando para já a confortável vantagem de dois pontos sobre aqueles que lhe podem ensombrar a desejada caminhada até à final de dia 2 de Julho, em São Petersburgo. “Estamos prontos!”, afirmou quando o questionaram sobre o jogo frente aos portugueses. “Está tudo a decorrer conforme o que foi planeado, portanto só temos de estar contentes e preparados para defrontar Portugal. Há uma estratégia e iremos pô-la em prática”.

Muito bem. “Haraxô!”, como dizem por aqui.

Hoje, portanto, pelas 18 horas de Moscovo, no Estádio do Spartak que se espera a rebentar pelas costuras – agora que sofreu um “lifting” de alto a baixo, respondendo também pelo prosaico e muito comercial nome de Otkritie Arena, por via do patrocínio do banco homónimo, muito provavelmente o maior banco privado da Rússia -, qualquer coisa como um pouco mais de 45 mil espectadores, segundo os cálculos da FIFA, indiscutivelmente a ferver com o entusiasmo de um público que não poupa a garganta na altura de berrar a plenos pulmões: “Rassia! Rassia! Rassia!” 

Equipa de operários, diria eu, sem grandes alardes de qualidade técnica mas com alma se não até Almeida, que por cá não se usa, pelo menos com alma até Tushino, precisamente a antiga cidade dos boiardos, senhores feudais cujo poder criou ciúmes borbulhantes aos czares com a mesma intensidade que o grande Pushkin colocou no seu poema sobre Mozart e Salieri. Tushino, hoje em dia um simples bairro da imensa Moscovo. É aqui que o Portugal de Fernando Santos dá o seu segundo passo na competição em que se apresenta como campeão da Europa, obrigado, por isso, a honrar os pergaminhos que nunca tinha tido.

 

Mudanças? Durante o Europeu de 2016, que tive a oportunidade de acompanhar de perto para os pacientes leitores destas páginas, o selecionador nacional nunca se coibiu de fazer alterações às equipas anteriormente titulares que não se comportaram da forma que esperava. Partindo por esse prisma, e até tendo em conta que no desafio frente ao México também foi relativamente célere nas mudanças, pode prever-se que algo de diferente surja, logo, no onze que entrar no relvado moscovita.

Convenhamos: a tentação de colocar William Carvalho e Adrian lado a lado, seja no início, seja no decorrer do jogo, não traz consigo qualquer tipo de supresa e tornou-se movimento estratégico frequente. Mas acrescente-se: perante os mexicanos, a pecha não esteve na forma como os dois médios mais fixos, no caso William e Moutinho, (não) souberam dinamizar o conjunto. Ficou Portugal demasiado dependente da capacidade desequilibradora de Ronaldo (que aparece inevitavelmente em, pelo menos, meia-dúzia de ocasiões por cada noventa minutos) e dos ziguezagues de Quaresma que, por vezes, mais parecem riscos de um eletrocardiograma.

Foi suficiente para marcar dois golos, foi sim senhor, era o que faltava desmentir o facto, mas também se notou um excesso de permissividade ao adversário que não teve custos mais graves porque os rapazes desse país que fica tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos, para usar uma pilhéria antiga, preferem muitas vezes as chicuelinas entusiasmantes mas inofensivas do que o golpe do estilete.

Muito diferente é o opositor de hoje.

Tão diferente como a água das fontes mais puras de Melgaço de certa zurrapa adocicada como vermute que por estas bandas nos servem sob a vergonhosa designação de “krasnaya vina”, isto é, vinho tinto. Se no passado domingo, Portugal pôde, em muitas fases do encontro, esperar pela roda-viva mexicana, assim excitada e muito atrás do próprio rabo como de chihuahuas se tratasse, e sair em flecha para a velocidade de Ronaldo, Nani e Quaresma, desta vez vai, certamente, ser obrigado a tomar maior iniciativa. Até porque os russos, com a vitória inicial, terão tendência para se guardarem nas suas tamanquinhas à espera que o tempo passe a seu favor.

Diferentemente do que sucedeu em França, nesse Verão do nosso contentamento, três empates não darão o apuramento para as meias-finais. E esse tem de ser, no mínimo dos mínimos, o objetivo de uma equipa que está de há vários anos para cá no topo do mundo. Falem agora os operários…