Parlamento. Todos querem respostas. Mas não da mesma maneira

PSD quer membros de todos os partidos na comissão que propõe. CDS já apoiou, PS não negou. A esquerda está mais longe. Viu-se nos discursos

Pedrógrão Grande já chegou à Assembleia da Républica.

Ontem, todo o parlamento votou favoravelmente um voto de pesar em homenagem às vítimas dos incêndios no concelho de Pedrógrão Grande – distrito de Coimbra.

Embora o ambiente se mantenha no luto nacional, na solidariedade perante os afetados e na gratidão às forças de auxílio, o certo é que os discursos partidários já apontavam para o futuro fim desse período de luto. Ou seja, para o tempo das questões, que no caso de nenhuma tragédia costumam ser fáceis.

Ontem, o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, começou, com discrição, a virar essa página, ao enviar uma carta a todos os seus homólogos nas direções parlamentares.

No documento, o PSD convida cada partido a “sugerir os especialistas de reconhecido mérito em condições para serem membros” da Comissão Técnica Independente a ser criada. Teresa Leal Coelho, vice-presidente dos laranjas, já antes anunciara a iniciativa, mas a carta assinada por Luís Montenegro lança mesmo críticas ao modo como se tem lidado com os incêndios.

“Ninguém, até ao momento, conseguiu elucidar minimamente os funestos acontecimentos dos passados dias 17 e 18 de junho em Pedrógão Grande e Castanheira de Pera que vitimaram mais de sessenta pessoas, entre as quais várias crianças. Pelo contrário, as justificações que têm sido avançadas aparentam ser parcelares e empíricas, muitas delas já tendo sido sucessivamente abandonadas para darem lugar a outras diferentes”, reza o texto, que confessa não ver hoje um cenário que transmita “uma imagem de coordenação, de liderança e eficiência do sistema global de prevenção, segurança e combate aos incêndios florestais em circunstâncias cruciais”.

O CDS-PP, antigo parceiro de governo dos sociais-democratas, já fez saber que apoiará e comparticipará na comissão assim proposta e o PS não descarta viabilizá-la.

O deputado Carlos Matias, do Bloco de Esquerda, é que mostrou ontem uma postura mais distante à ideia, acreditando ser ainda “cedo para decidir a sua necessidade”. João Ramos, do Partido Comunista, afirmou que “mais comissões, mais grupos de trabalho não é o prioritário”.

Esse distanciamento no que toca à forma como chegar às respostas – que todos dizem querer saber – foi também visível nos discursos feitos na sessão evocativa em homenagem às vítimas de Pedrógrão, ontem, na Assembleia.

Eduardo Ferro Rodrigues abriu a sessão e declarou que os incêndios se deram numa “combinação rara de fatores adversos” que “tornou a luta desigual”. O presidente da Assembleia da República não deixou, no entanto, de deixar bem claro: “’Numa democracia adulta e consolidada como a nossa, há sempre lugar para balanços informados e para a necessária avaliação das ações e das políticas do Estado”.

Ferro Rodrigues garantiu que, “como sempre”, a Assembleia estará no centro dos debates “que contam e que os portugueses exigem”. Hoje, todavia, “é dia de homenagearmos a memória daqueles que pereceram”.

O presidente do Partido Socialista, Carlos César, também salientou a importância de “procurar todas as explicações estruturais e específicas para o sucedidos”, relembrando que o primeiro-ministro, António Costa, já o havia pedido.

As prioridades, para César, são agora, “atuar para recuperar o património, indemnizar as perdas, reativar o potencial produtivo, recuperar o emprego, refazer vidas de famílias e comunidades”, assim como “o reforço do poder coercivo do Estado e a responsabilização dos privados que detêm a quase totalidade da área florestal”.

Jerónimo de Sousa, por outro lado, fez questão de afirmar que “não é possível olhar para esta catástrofe iludindo as consequências de anos de integração na União Europeia e às suas políticas comuns”. O secretário-geral do PCP pediu, “a breve prazo, o cabal esclarecimento de todas as circunstâncias em que o incêndio se desenvolveu com as consequências que são conhecidas”. Um esclarecimento que deve “apurar integralmente as causas” da tragédia.

Para o comunista, há responsabilidades evidentes na “inação perante a pressão dos interesses económicos sobre a exploração florestal, que conduz à degradação das condições de vida das populações”.

“Quando se apagarem os holofotes mediáticos, não permitamos que se volte a cair no esquecimento”, pediu o líder do PCP ao parlamento, deixando também um apelo à assistência de todas as vítimas da tragédia “humanitária e social”.

Ainda nos partidos que suportam o governo, Heloísa Apolónia, d’Os Verdes, defendeu ser necessário “perceber mais do que a trovoada seca, que as autoridades garantem ter despontado o incêndio florestal”.

A ecologista pretende saber se “algo falhou do ponto de vista da comunicação, da coordenação ou da agilidade da decisão para enfrentar o drama”, sublinhou, sem colher reação da parte do primeiro-ministro, António Costa, sentado na bancada de governo.

Catarina Martins, falando em nome do Bloco de Esquerda, disse que as “questões climatéricas especialmente agrestes colocam problemas de difíceis respostas” e que “as alterações climáticas confrontam-nos com questões mais adversas”, mas para ela “as questões mais complicadas são as da escolha política”. E quais? A dirigente do BE não deixou de enumerar. “Ordenamento do território, desertificação e abandono, modelo de proteção civil, domínio do eucalipto e política florestal”.

E lançou também questões, do ponto de vista do Bloco, fundamentais. “Como foi possível?; como chegámos aqui?; o que falhou?”. Martins lembrou que o país “ainda arde” perante a “impotência de todos os meios” e que “o Estado tem que responder”.

“Devemos respostas porque devemos respeito”, clarificou, saudando, em jeito de conclusão, a onda de solidariedade que se verifica a nível nacional.

Regressando à direita, Assunção Cristas fez um discurso em busca de “consensos”. Embora reconheça que ainda é o “tempo do luto e da palavra solidária”, “da quietude e do recolhimento”, a presidente do CDS afirmou ontem que chegará o tempo “das perguntas e das respostas, das responsabilidades políticas e técnicas, dos esclarecimentos e do apuramento das razões”.

A resposta, para a centrista, deverá ser “uma ação que sabe que as alterações climáticas tornam o clima no nosso maior inimigo e por isso os esforços têm de ser redobrados, que se foca na sensibilização para a mudança de comportamentos humanos, que estão na origem da esmagadora maioria dos incêndios; que encontre modelos eficazes e coordenados de prevenção e combate e que a todos convoque em torno de consensos estáveis e duradouros”.

Pelo PSD, falou José Matos Correia. O veterano laranja dedicou um longo elogio aos voluntários da sociedade civil e a todos os funcionários dos serviços públicos, deixando uma palavra especial aos bombeiros. Para Matos Correia, “honrar a memória dos 64 mortos impõe-nos como imperativo ético que não nos conformemos com a inevitabilidade destas tragédias, que nos mobilizemos todos para as evitar”.

“No passado fim de semana, 64 pessoas confiaram. Em estar nas suas casas, em dar um passeio com os seus amigos, em tirar uns dias de merecidas férias, confiaram que as instituições seriam capazes de os proteger perante o perigo”, recordou o social-democrata. “O país, no entanto, não esteve à altura dessa confiança”, afirmou ainda.

“Este não é ainda o momento para apurar falhas ou responsabilidades, se as houver, mas tal momento tem que chegar. A busca da verdade tem que ser, numa democracia madura e consolidada, uma questão central”, considerou o também professor universitário.

“O apuramento exaustivo daquilo que se passou será a maneira de garantir que este drama não se repetirá e a melhor maneira de honrar os nossos compatriotas que confiaram, como era seu direito fazê-lo”. E, para José Matos Correia, essa confiança não foi atendida.