Rússia noites brancas, velas vermelhas

Portugal defronta hoje a Nova Zelândia no meio de uma festa especial. São Petersburgo vira-se para o Báltico.

Rússia noites brancas, velas vermelhas

São Petersburgo – Noites Brancas; Velas Vermelhas. Portugal chegou à cidade do Neiva num dos momentos mais emblemáticos do ano por aqui. Uma coisa de cada vez. Primeiro as Noites Brancas. As mais curtas noites do ano, solstício do Verão, tempo dos festivais. Fogo de artifício na Praça Vosstanya; o povo na rua; o sol que parece recusar pôr-se; essa luz misteriosa do Báltico que dizem vir do interior das conchas. E as Velas Vermelhas. Ou Velas Escarlates. Uma tradição que remonta ao final da II Grande Guerra. O espetáculo da água já chegou a levar até às margens do Golfo da Finlândia, para assistir às festa da água, mais de três milhões de pessoas. No meio da placidez do mar, voga a fragata Standart com as suas velas enfunadas cor do sangue. Ao longo da Nevski Prospect, os jovens satisfazem-se pelo final das aulas.

A importância das Velas Vermelhas é tal que até a Taça das Confederações foi afetada. Os treinos das seleções de Portugal e da Nova Zelândia não puderam ser desfasados no tempo. Tiveram de se efetuar, ontem, à mesma hora. Os neozelandês foram empurrados para o Estádio Petrovski e os portugueses para o Estádio Turbostritel. Justificação da FIFA: «Questões logísticas que se prendem com dificuldades no tráfego».

Pois: ruas fechadas à circulação automóvel, multidões a pé, de um lado para o outro, a cidade aberta para dentro de si própria. Até Alexandre Nevski, o herói ortodoxo do Neiva, que expulsou os cavaleiros teutónicos para o Mar do Norte, sorriria de satisfação.

 

Decisões

Hoje, pelas 18 horas de Moscovo, como é prática na Rússia, decidir-se-á o Grupo A desta Taça das Confederações, com Portugal a defrontar a Nova Zelândia no Estádio Krestovski, uma maravilha da arquitetura do género em plena ilha do mesmo nome, e com a Rússia e o México a defrontarem-se, por sua vez, na Arena de Kazan. E só não é de sublinhar que a seleção nacional tem a faca e o queijo na mão porque teríamos de dizer que tem também duas ou três fatias de presunto do melhor, daquele registado para aí com uns três Jotas. Assim é, na realidade. Quatro pontos no bornal e o apuramento praticamente garantido para as meias-finais, o que se pode considerar serviços mínimos para quem enverga as vestes de seda de campeão da Europa. Perante essa equipa de simpáticos abana-pinheiros que vem lá dos confins do planeta, do ‘Continente Misterioso’, como Emilio Salgari, o escritor de Mompracem, chamava à Oceânia, trabalhar-se-á, certamente, para garantir o primeiro lugar no grupo, o que poderá permitir, se as coisas correrem como se espera, evitar a Alemanha, na próxima quarta-feira, em Kazan, mesmo que esta seja uma Alemanha a meio-gás, tendo deixado por casa muitas das suas principais estrelas, coisa que se notou, por exemplo, muito frente ao Chile (1-1) e frente à Austrália. Mesmo assim, nunca fiando. A soberba teutónica não é para brincadeiras nem deslizes e os chilenos perceberam-no bem ao fim de meia hora de um domínio que lhes subiu à cabeça com a voluptuosidade das borbulhas do champanhe.

A fase de grupos fecha, portanto, amanhã. Pelo que nos foi dado ver, e salvo alguma surpresa de última hora, que no futebol sempre as há, as quatro melhores seleções – Portugal, México, Alemanha e Chile – perfilar-se-ão para o sprint final. Fernando Santos diz, desde o seu primeiro dia no cargo, que com ele Portugal joga sempre para ganhar. Assume, por isso, a vontade de levar para casa um troféu que pode não valer nem metade da Taça Henry Delaunay, conquistada em França, há um ano, nas barbas da vaidade francesa de Saint-Denis, mas que não deixará de ser, mais uma vez, única na história do futebol português.

 

Duas faces

Tivemos, face ao México, primeiro, na Arena de Kazan, e frente à Rússia, a seguir, no Estádio do Spartak, em Moscovo, duas faces de um mesmo Portugal. Claro que isso também se prendeu com as características bem diversas dos adversários enfrentados. Muitos e muito maiores problemas os provocados pelos mexicanos, com aquele estilo Speedy Gonzalez de estar agora e já não estar no minuto seguinte, um futebol não diria totalmente de touradas mas pelo menos de garraiadas, muito dado à sua chichuelina e ao toque para aqui toque para acolá de provocar aneurismas ao mais distraído. Viu-se e desejou-se a seleção nacional nesse jogo de estreia e, mesmo tendo estado sempre em vantagem, não foi capaz de segurá-la no último lance do encontro quando um Moreno morenito foi lá à grande-área saltar num canto e fazer o empate do alto (!!!) do seu metro e setenta.

Mais confortáveis se sentiram os portugueses perante o futebol tristonho e mazombo dos russos, burocrático e entediante, sem um milímetro de sonho ao erguer da asa. Golo marcado cedo, vitória no bolso: ou qualquer coisa do género. Não foi preciso muito mais do que atenção e segurança, baseadas num meio-campo sólido e numa defesa aereamente competente. E assim se resume este apuramento para as meias-finais de uma competição disputada pela primeira vez. A menos que hoje, na noite branca, surgisse um fantasma ‘all black’ vindo lá do outro lado do mundo…

 

Teste

Sabia-se – era mesmo esse o objetivo – que este mini-Mundial servia de teste para o Mundial autêntico que a Rússia organizará no Verão do próximo ano. Nota-se, por toda a parte, mesmo fora das áreas reservadas para o futebol, uma necessidade de reconhecimento pelo esforço que está a ser feito e uma genuína reação de contentamento pelo mais singelo dos elogios. Na verdade, tirando um ou outro pormenor, os dias correm sobre esferas para quem aqui está para trabalhar. Um bom sinal para quem recebe, para já, equipas de todos os continentes, embora por manigâncias que só a FIFA conseguirá explicar, a Austrália surja aqui como campeã da Ásia, lado a lado com os vizinhos campeões da Oceânia, os neozelandeses. Questões que há muito atropelam a inocente geografia.

Hoje e amanhã, encerra-se a primeira fase da Taça das Confederações. Para isto, a Rússia está pronta – em termos organizativos; em termos desportivos, a sua seleção é frágil com um caule de roseira seca. Em São Petersburgo, acabou de se viver a noite mais curta do ano. Ao longe, as velas escarlates do Standart testemunham a alegria de quem gosta tanto deste jogo que há mais de cem anos encanta o mundo.