Acabou

Li, ouvi e pensei – como toda a gente do país – em muitas das teorias apresentadas para justificar a tragédia de Pedrógão e que continuarão a galgar os meios de comunicação à medida que as chamas comem o país. Terras abandonadas. Fase Charlie. Limpeza da floresta. Descoordenação de meios. Guardas florestais. Desertificação do interior.…

Li, ouvi e pensei – como toda a gente do país – em muitas das teorias apresentadas para justificar a tragédia de Pedrógão e que continuarão a galgar os meios de comunicação à medida que as chamas comem o país. Terras abandonadas. Fase Charlie. Limpeza da floresta. Descoordenação de meios. Guardas florestais. Desertificação do interior. Eucaliptos que são, por si só, incendiários. SIRESP. Eucaliptos que, afinal, ardem tanto como qualquer árvore. Trovoadas secas e outros fenómenos meteorológicos. Falta de analistas no terreno. Litoralização.

A Força Aérea, que deve intervir. Os prisioneiros, que devem ir limpar as terras. Os bombeiros que recebem pouco. Os bombeiros que recebem nada. 

Passei boa parte dos dias de trabalho do verão passado a acompanhar os fogos que lavravam no país, principalmente o de Arouca, mas também o incêndio dantesco da Madeira. Escrevi sobre as medidas, os incendiários, os meios e a falta deles e sobre a cobertura mediática dos incêndios. Nessa altura, comentei com uma colega que fazia a área há mais de uma década que, depois daquela desgraça, depois daqueles hectares todo, era impossível que não fossem tomadas medidas. Ela, condescendente: “Habitua-te. É sempre assim. Discute-se tudo enquanto há fogo”. Depois, o frio traz o silêncio. Até ao verão seguinte.

Não achei que fosse possível que, este ano, os relatos da desgraça trouxessem um número de vítimas mortais que é um nó no estômago. Lembrei-me do ar condescendente da minha colega quando liguei a televisão há uma semana e vi, em rodapé, que 19 pessoas tinham morrido. Queimadas vivas, com os carros a fazer de piras. E depois mais e mais gente. Afinal, o pior é sempre possível.

Não basta o Governo – este, o que vier e o outro a seguir a esse – acordar. É imperativo não adormecer, como tem acontecido há décadas, assim que as cinzas se esvaem da atenção mediática. É preciso que o Executivo se rodeie de quem sabe do que fala e gaste o dinheiro que for preciso. Se 64 mortos não justificam os meios para chegar aos fins, não sei o que fará. Caso as medidas não passem do papel, nem vale a pena. Acabou. Portugal será sempre um país a arder.