Há mais de 40 anos a tentar apagar fogos

Discussão sobre o que fazer para prevenir melhor os incêndios está de novo na ordem do dia e Marcelo quer revolução legislativa. Viagem aos primórdios do debate político. 

«Os incêndios nas florestas todos os anos sobressaltam o país e causam grandes prejuízos. Estes não se limitam aos que vultuosamente resultam da queima das árvores; chegam à perda de haveres e até vidas humanas, atingindo sempre as famílias dos mais pobres e desprotegidos; e sempre provocam consequências mais ou menos graves nos sistemas ecológicos. Mas os incêndios, com a extensão que temos conhecido, não são uma fatalidade. Há, pois, que criar condições para que eles não se desencadeiem, ou pelo menos não atinjam tão vastas proporções. É este o objetivo do presente projeto de lei». Podia ser o preâmbulo de uma das novas leis que Marcelo quer que sejam aprovadas no Parlamento antes das férias, «sobre tudo» o que importe para a defesa das florestas dos incêndios, mas as palavras têm 37 anos. O projeto de lei n.º 392/1, da autoria do PCP, é o primeiro esboço de lei de que há registo no site do Parlamento no que toca à defesa da floresta contra incêndios. Definia a criação de zonas de intervenção florestal e ações do Estado para incentivar proprietários e utentes a adotar medidas de prevenção e medidas para tornar as florestas polos de atração das populações. O que aconteceu? O diploma foi rejeitado por maioria, na generalidade, corria o dia 25 de março de 1980.

A tragédia de Pedrógão no último fim de semana tornou a reacender o debate público em torno dos incêndios florestais em Portugal, numa altura em que o país continua a ter os piores indicadores no Sul da Europa quer em incêndios quer em área ardida. De acordo com uma tese de mestrado sobre os incêndios em Portugal publicada em maio de 2016, da autoria de Paulo Mateus, esta tendência tem-se mantido ao longo do tempo. A escalada da área ardida começou nos anos 80, associada à desertificação e abandono do Interior, mas agravou-se a partir da década de 2000. O autor cita o resultado do relatório do estado das florestas europeias em 2011, que aponta Portugal «como o país que tem a maior área percorrida por incêndios – 104 000 hectares/ano ou 3 % da área total de floresta –, enquanto em Itália, Espanha e França menos de 1% da área florestal ardeu».

Entre 2001 e 2005, a incidência aproximou-se dos 4% de território afetado e entre 2006 e 2012 baixou para valores na «ordem dos 0,8%, dentro do cenário normal dos países mediterrâneos». Nos últimos anos, porém, tornou a aumentar. «Atualmente a componente da supressão dos incêndios está priorizada relativamente à prevenção de incêndios», concluía o autor, algo que tem sido sublinhado em diferentes fóruns. Os dados disponíveis mostram que, nos últimos anos, apenas 20% dos gastos com incêndios têm sido aplicados em prevenção – a maioria da despesa acontece no combate.

Uma sucessão de iniciativas

Atualmente estão em apreciação no Parlamento um conjunto de propostas de lei para uma reforma florestal, da autoria do Governo e Bloco de Esquerda. A votação final foi apontada esta semana para 19 de julho, depois de semanas em banho-maria. Avançar com o cadastro florestal do país é uma das medidas previstas, para identificar os proprietários cruzando informação de diferentes entidades públicas e lançando um registo gratuito. Uma análise publicada em 2013 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos aponta que mais de 94,3% do território nacional é privado e que, em média, 32% dos proprietários florestais têm menos de 1 hectare. Para se ter uma noção, supondo que toda a área ardida em Pedrógão estava organizada desta forma, seria preciso pedir responsabilidades a 30 mil donos. Mas há mais um fator, cita Paulo Mateus. «A área florestal foi adquirida por herança em 76% dos casos e só nos outros 23% foi comprada», o que pode ajudar a perceber o desinteresse. A mesma análise estimava que 25% do território nacional estivesse abandonado.

De acordo com os registos no site do Parlamento, em junho de 1980, depois do chumbo do projeto do PCP, o Governo então liderado por Francisco Sá Carneiro submeteu uma proposta de lei à Assembleia da República no sentido de obter autorização legislativa sobre a prevenção, deteção e combate a incêndios florestais. O aval parlamentar sairia em julho em Diário da República, iniciando mais de três décadas de produção de legislação, recomendações e debates parlamentares, onde se inclui uma comissão parlamentar dos fogos florestais em 1990 e uma comissão parlamentar eventual em 2003, depois de fogos de grandes dimensões que deixaram um rasto de 21 mortes – até ao último fim de semana o ano mais fatídico no Portugal democrático. Ainda assim, já antes do 25 de Abril tinha havido tentativas de pôr fim aos fogos. O decreto-lei n.º488/70, apontava já que a «propriedade florestal privada contribui de forma decisiva para aumentar a acuidade do problema», lê-se no diploma disponível no sítio do Diário da República. «E, embora se possa entender que a defesa da floresta privada compete principalmente aos proprietários, não oferece dúvida que toda a floresta representa uma riqueza nacional, que importa salvaguardar no seu conjunto, evitando também outras consequências que muitas vezes resultam dos incêndios florestais».

Américo Thomaz, então Presidente, mandava fazer estudos, determinar épocas de perigo, efetuar campanhas educativas e criar conselhos distritais de prevenção, deteção e combate, bem como incentivos à rearborização, que teriam de ser devolvidos e pagar uma taxa extra de 20% caso não se replantasse. A saga continua.