Uma visão lúcida sobre os incêndios em Portugal

Não, não se trata da minha opinião sobre o assunto mas sim a de um consultor internacional  em fogos florestais. 

Não, não se trata da minha opinião sobre o assunto mas sim a de um consultor internacional  em fogos florestais. Este colega Australiano teve a gentileza de me enviar a mim e a outros colegas portugueses, as suas condolências pela tragédia ocorrida em Pedrógão Grande e a sua opinião sobre o enorme problema que são os incêndios florestais em Portugal. Trata-se de uma visão lúcida porque entra no cerne da questão, que não tem nada a ver com questões técnicas. De acordo com uma tradução livre de modo a facilitar a leitura, o e-mail recebido diz essencialmente o seguinte: 

«As questões/causas subjacentes (ao problema dos incêndios) precisam de ser identificadas, compreendidas, decididas, planeadas e geridas para poderem ser implementadas. Infelizmente, no caso global dos países desenvolvidos, as causas subjacentes têm um low profile. Estas causas não são percecionadas pela sociedade, são complexas e difíceis de comunicar e são difíceis politicamente (por exemplo a acumulação de combustíveis e as alterações de uso do solo). Portanto, geram pouco interesse dos políticos por serem questões controversas, dado que haverá uma reação negativa de algumas partes da população. A solução passa por um conjunto de princípios a serem formulados e aplicados de forma sistemática e rigorosa durante um período prolongado – mais longo que o ciclo político e muito mais longo que o ciclo financeiro anual».

De facto os incêndios que temos são o resultado da dicotomia sociedade e políticos. Temos uma sociedade alheada do problema, muito pouco interessada na floresta (basta olhar para o número de alunos no ensino superior florestal em Portugal) e que assiste aos incêndios na TV como se se tratasse de filmes de Hollywood,  onde os bombeiros fazem o papel de good guys e os (supostos) incendiários fazem o papel de bad guys. Do outro lado temos políticos que se apercebem facilmente deste alheamento e da grande dificuldade em mudar o status quo, pelo que não arriscam mudar o que é necessário ser mudado. 

Depois dos incêndios de 2003 e 2005, os piores anos de sempre desde que há registos à escala nacional, ainda tive sincera esperança de que existissem alterações reais, pois a sociedade parecia estar sensibilizada para as mudanças que todos sabiam serem necessárias e não me refiro apenas à questão da prevenção. Os resultados, passados 14 anos, estão à vista, apesar dos muitos avisos de quem conhece e investiga o problema. Para quem não sabe, Portugal continua a ter as piores estatísticas de incêndios (percentagem de área queimada e número de ignições por mil habitantes) a nível Europeu e está entre os piores a nível mundial! Mesmo assim assisti hoje à declaração inacreditável do primeiro-ministro, à saída do Conselho de Ministros, referindo que graças à (sua) reforma da Proteção Civil (quando tutelava a Administração Interna) tivemos 10 anos de apaziguamento (ou expressão semelhante) a nível de incêndios florestais. Basta confrontar esta declaração com o diagnóstico feito acima, para percebermos que está tudo dito…
 

Opinião de Joaquim Sande Silva