«Tudo é mais tudo contigo. Percebes? Completamente»

Este diálogo surgiu no meu caminho junto ao hospital Cuf Belém, tendo, entretanto, o muro já sido pintado de branco. Neste diálogo, há alguém que afirma: «Tudo é mais tudo contigo». E questiona: «Percebes?» Ao que outra pessoa terá respondido: «Completamente». Pelo tipo e cor da letra, parece um diálogo a três mãos.

Afirmar a alguém que «tudo é mais tudo contigo» é uma bela declaração de amor, porque representa dizer à pessoa amada que ela, ou ele, acrescenta um brilho, uma luz especial a tudo, que torna esse tudo ainda mais completo, ainda mais perfeito.

Habitualmente, é isto que acontece com o amor. O amor dá uma dimensão especial à vida e torna-a mais completa, suscitando uma vontade de «amar, amar perdidamente», como afirma Florbela Espanca. O amor quase se assemelha a uns óculos especiais, que permitem ver o mundo com mais cor e alegria. A ilusão que causa torna aquele que ama mais inocente, mais sensível, mais esperançoso num amanhã (ou hoje) melhor, ilustrado, até, nesta parede, por um Sol radioso, que dá nova vida ao mundo e faz acreditar que, mesmo em pleno outono, pode haver flores por abrir. Daí que, quando se ama, se pretende manter o amor para sempre. Ou, nas palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen: «Se tanto me dói que as coisas passem / É porque cada instante em mim foi vivo / Na busca de um bem definitivo / Em que as coisas de Amor se eternizassem».

Muitas são as frases pintadas na rua que constituem declarações de amor (mais ou menos poéticas), de que já vimos vários exemplos. Gritar ao mundo que se ama alguém é o impulso imediato mais comum a todos os amantes, que, no entanto, optam por reservar esses sentimentos para si ou para um grupo algo restrito.

Gritar ao mundo, pintar na parede, escrevê-lo em cartazes é uma forma de libertar o sentimento que se tem no peito. E um cantor, um poeta ou um pintor não abdicam dessa consciência e consideram mais importante que o mundo «todo» saiba como pensa o artista. E é através desta atitude, de produção consciente de beleza, que somos beneficiados pelas suas obras de arte – as canções, os poemas, os quadros… –, pela criatividade com que, inspiradamente, observam o mundo e recriam a sua beleza, de que o redemoinho do quotidiano da vida tantas vezes nos alheia. E, como diz Lobo Antunes: «sempre achei que a grandeza dos outros aumentava o meu tamanho»…

Tudo ser mais tudo com alguém significa que a vida faz mais sentido e ganha uma dimensão superior apenas pela existência dessa pessoa. E, na realidade, queremos todos ser especiais… E muitos há que gostariam de ser surpreendidos com uma declaração pública de amor, como esta, ou, mesmo, um pedido de casamento.

 

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services