Garton Ash. “Brexit é o ato mais prejudicial desde a tolerância em relação a Hitler”

“Quando ouço que Boris Johnson é ministro dos Estrangeiros, belisco- -me para ter a certeza de que não estou num pesadelo”, disse Garton Ash

Foi com humor que o conceituado académico britânico Timothy Garton Ash falou sobre a saída britânica da União Europeia, diante de vários membros do corpo diplomático, da política nacional e da academia. Num jantar-palestra organizado pelo Estoril Political Forum deste ano – um encontro da Universidade Católica sobre ciência política –, Garton Ash falou sobre o Brexit, a Europa e Winston Churchill.

Conhecido pela sua posição firmemente a favor da permanência na União Europeia, que vem defendendo em jornais como o “Guardian” e o “Telegraph”, o filósofo político começou por pedir desculpa à embaixadora do Reino Unido, que estava presente, Kirsty Hayes, pedindo-lhe para “fazer ouvidos moucos” ao que diria a seguir. O pedido, de seguida, revelou- -se justificado.

“Cada vez que oiço nas notícias que Boris Johnson é ministro dos Negócios Estrangeiros, belisco-me para ter a certeza de que não estou a viver um pesadelo”, afirmou, para risada geral. É que Boris é o chefe direto da embaixadora, que escutava o orador na primeira mesa de frente para o púlpito. Para Garton Ash, Johnson é prova evidente da “falta de realismo” que assola o executivo britânico em relação às negociações para o Brexit.

“Não podemos rir-nos como solução para atravessar o Brexit”, disse. “Nem se pode ter tudo: rejeitar o livre movimento de pessoas e querer fazer parte do mercado único”, esclareceu depois, com algumas pontadas de ironia sobre a biografia profissional de Boris Johnson.

“Foi um jornalista bastante divertido. Inaugurou as fake news, de certo modo.” O hoje ministro e parlamentar na Câmara dos Comuns foi em tempos correspondente do “Daily Telegraph” em Bruxelas, suscitando várias controvérsias entre Londres e a União Europeia.

Segundo Garton Ash, democracia não pode ser “um homem e um voto só uma vez” pois, se “for somente um ato único, deixa de ser democracia” – isto sobre o referendo que ditou o pedido de saída do reino da União Europeia.

As críticas ao governo atualmente em Downing Street, no entanto, não ficaram por aí. “Dói–me que Theresa May ande de mão dada com Donald Trump. Não é assim que defendemos a liberdade”, vaticinou Timothy Garton Ash em frente da representante do governo de May em Portugal, a já mencionada embaixadora.

Garton Ash, embora admita que o seu pai, “que lutou na Segunda Guerra Mundial”, votaria pela saída da União Europeia, considera que o Brexit não deixa de ser “o maior ato auto-prejudicial desde a doutrina do apaziguamento”: a tolerância para com a Alemanha nazi de Hitler, defendida pelos governos de três primeiros-ministros britânicos entre 1935 e 1939, a que Churchill se opôs e que desembocou na ii Guerra Mundial.

A embaixadora Hayes, que introduziu a palestra do seu compatriota e crítico, recitou Winston Churchill: “Entre a Europa e o mar aberto, escolheremos sempre o mar aberto.”

Mantendo a coerência do que vem dizendo até na comissão parlamentar dos Assuntos Europeus, Hayes reafirmou: “Estamos a deixar uma instituição, e não um continente.”

“A Grã-Bretanha sempre foi e será sempre um poder europeu”, disse a diplomata. “Somos um país europeu e orgulhoso da nossa herança europeia”, insistiu, em jeito de conclusão.