A culpa ainda vai ser da troika

Se se fizer o que Marcelo disse que se vai fazer e a responsabilidade política não for assumida por quem já o deveria ter feito, Costa e Centeno que se cuidem

Felizmente que não houve desaparecidos na tragédia de Pedrógão Grande. Com o número de vítimas mortais confirmadas em largas dezenas e com as principais figuras do Estado sempre obviamente cautelosas e prudentes nas declarações públicas sobre o balanço que foi sendo apurado, era natural temer-se tragédia ainda maior, atendendo à área ardida e à geografia em causa, com casas e aldeias isoladas, população idosa, falhas graves nas comunicações, auxílio deficiente ou até mesmo inexistente, descoordenação no comando…

Duas semanas volvidas, o rescaldo está feito e o facto de, no meio de tanta desgraça, não haver qualquer registo de alguém desaparecido é, naturalmente, notícia menos má.

Na verdade, o único desaparecido durante mais de 10 dias foi o presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil. Em quem ninguém pôs a vista em cima, não obstante, por inerência do cargo, estar no centro de comando de todas as operações e de todas as polémicas que se seguiram e seguirão.

Pelos vistos e a atender à resposta que deu na quinta-feira, até tem algo a acrescentar a tudo o quanto tem sido dito e que, com mestria política e certamente apoiado nos estudos de opinião que mandou fazer para analisar o impacto de tamanha tragédia na imagem do Governo, António Costa tão bem tem sabido gerir, inundando a opinião pública de respostas, relatórios, fitas de tempo e declarações de desresponsabilização de todas as partes envolvidas.

Tudo o que se passou em Pedrógão vai com certeza ser esclarecido e todas as responsabilidades apuradas. Até porque o Presidente da República garantiu ao jornal Expresso que «tudo, mas mesmo tudo» irá ser apurado – se o disse a um jornal, certamente que o terá exigido formalmente, pelos canais oficiais.

Marcelo Rebelo de Sousa foi a Pedrógão e ao centro de comando local logo na noite da tragédia. E andou por lá no dia seguinte, percorrendo estradas e aldeias em pleno sinistro.

Como tal, sabe. É até testemunha privilegiada de que, ao contrário do que disse na noite fatal, para tranquilizar a Nação e não desfocar as atenções de ninguém do combate ao descontrolado incêndio, nem tudo estava a ser feito e muito menos bem feito.

Também António Costa, que imediatamente foi, e bem, ao centro de comando nacional da Proteção Civil, está mais do que farto de saber o que falhou e quem falhou.

Já para não falar da ministra e do secretário de Estado da Administração Interna, que estiveram nos comandos operacionais em Pedrógão e Góis desde as primeiras horas.

Podemos levar mais umas semanas ou meses com averiguações, inquéritos, comissões e quejandas tentativas de iludir responsabilidades.

Mas o que é facto é que passaram-se duas semanas e não há um único político ou alto dirigente de todas as entidades envolvidas, e são várias, que tenha vindo a público assumir qualquer responsabilidade.

Ou melhor, houve um. Pedro Passos Coelho veio pedir desculpa um dia destes porque, vá lá perceber-se como, deixou-se induzir em erro pelo provedor da Misericórdia de Pedrógão, por acaso candidato à Câmara de Castanheira de Pera pelo PSD nas próximas autárquicas, e sai-se com aquela de exemplificar com suicídios inexistentes as falhas no apoio psicológico às vítimas dos incêndios.

Qualquer focus group arrasaria o líder do PSD. Que cometeu erro de palmatória e grave ao falar de supostos suicídios sem cuidar de confirmar tal (des)informação. Curiosamente, e enquanto António Costa, mais uma vez e com irrepreensível sentido de Estado, se recusou a alimentar polémicas, Ana Catarina Mendes fez questão de não deixar passar em branco a falha do líder do PSD. E reagiu com indignação.

A verdade é que, em todo este processo, Passos Coelho foi o único a dar a mão à palmatória. O que, se pode revelar fragilidade política, não deixa de demonstrar  integridade.

Porque todos os outros, políticos e técnicos, estão pelos vistos de consciência completamente tranquila.

Houve mortes, mais de seis dezenas. E feridos, mais de duas centenas. E muitos animais perdidos, área ardida, floresta, casas, fábricas, carros, máquinas…

Se há responsabilidade criminal, não é preciso criar nenhuma comissão. O Ministério Público se encarregará da consequente (ou inconsequente) investigação.

Já a responsabilidade política e a responsabilidade técnica, essas, existem e não é preciso mais nada para se retirarem as devidas ilações.

Diz a ministra da Administração Interna que o mais fácil teria sido apresentar a demissão em plena crise e evitar ter passado pelos dias mais difíceis da sua vida.

Ora, mesmo que o tivesse feito, certamente o Presidente e o primeiro-ministro a teriam obrigado a deferir os efeitos da sua decisão para momento oportuno, que não em plena crise. O mesmo se aplica ao secretário de Estado e a todos os responsáveis do comando que manifestamente falhou.

Uma coisa é terem feito tudo o que podiam nas circunstâncias em que o fizeram. Outra coisa é terem feito o que fizeram e, por incompetência ou incapacidade, não terem evitado tamanha dimensão da tragédia.

O resultado foi desastroso. E houve falhas. E não foram poucas. 

Não é preciso mais para se assumirem as responsabilidades políticas e técnicas.

Quanto maior a demora e mais tardias as respostas, mais alto chegam as responsabilidades.

Quanto a tudo o resto, já todos percebemos. Não há milagres. Os resultados do défice foram feitos à custa de cortar a torto e a direito em tudo quanto era investimento público – nem que fosse para evitar pagar os salários dos pilotos dos canadair que a Europa nos financiava (Jorge Gomes disse em agosto de 2016 que não valia a pena comprar aviões de combate a incêndios com os fundos disponibilizados pela UE porque sairia muito cara a manutenção e os salários dos pilotos) ou para assegurar a ligação das antenas já compradas pelo anterior Governo mas nunca instaladas e ligadas a satélite por falta de cabimentação orçamental.

Não há milagres. Com ou sem focus group, António Costa bem pode tentar que o tempo trate de fazer esquecer o apuramento de responsabilidades da tragédia de Pedrógão. Mas cuide-se. Em última análise, ainda alguém se lembra de perguntar ao primeiro-ministro e ao ministro das Finanças qual foi o segredo para a saída de Portugal do procedimento por défice excessivo. Não há milagres. Não os houve. Cortou-se a eito onde se podia… e não podia.

E, se chegarmos a tanto, só falta depois virem dizer que a culpa da tragédia de Pedrógão, afinal, é da troika (já se está mesmo a ver as Catarinas).

 

PS: O que se passou em Tancos, com o roubo de material de guerra dos paiois das unidades de elite das Forças Armadas, é de uma gravidade extrema – nacional e internacional. É impossível não ‘rolarem cabeças’. Do ministro às altas hierarquias militares. O Estado e a segurança nacional (e internacional) estão em causa. Inadmissível!!!