As aparências – de Pedrógão ao futebol

No concerto do Meo Arena, Salvador disse uma brejeirice tão idiota quanto inapropriada. Aqui fica um conselho: as desculpas não se dão, evitam-se!

Em conversa com pessoa amiga ocorrida há dias, dizia-me o meu interlocutor: «Vivemos numa sociedade de aparências! Todos se preocupam mais com a interpretação do que foi dito ou feito, do que com os atos em si próprios». 

Veio-me esta conversa à memória quando fui surpreendido com um título do jornal i dizendo que o Governo, no auge dos problemas do rescaldo do incêndio de Pedrógão, se terá preocupado com o conhecimento do estado da sua imagem, leia-se, popularidade. 

Sinceramente, dá para crer? Se a isto somarmos o jogo do empurra na assunção de responsabilidades entre os diversos intervenientes no desastre, em vez de prudente silêncio aguardando as conclusões de uma investigação que tarda a arrancar, tenho de concluir que a sociedade está doente, dada a prevalência das aparências! 

Aliás, a própria investigação arrisca-se a ser uma aparência, como tantas foram neste país, desde Camarate. 

Quem tiver um pouco de memória, recorda-se das intermináveis discussões no Parlamento entre os representantes dos partidos políticos, onde as conclusões são discutidas palavra a palavra, cada um defendendo a sua quinta, muito mais importante do que a verdade dos factos. 

Numa crónica recente no Público, João Miguel Tavares, sempre direto, pedia que tal Comissão fosse liderada por um independente, alvitrando António Barreto. 

Este ou outro, desde que independente da política, certamente que devia ser. Mas irá ser assim? Ou teremos mais uma versão política de uma Comissão preocupada em alijar responsabilidades, caso se constate que alguém importante se pode queimar?

Prosseguindo pelo reino das aparências e da sua importância na sociedade.

Um jovem português ganha com a irmã, pela primeira vez, um festival da Eurovisão. 

Recebido em triunfo no aeroporto, é idolatrado por uma vitória que apelou na sociedade ao sentimento de ser português. A aparência do vencedor e do seu triunfo sobrepôs-se à essência do personagem. 

Entretanto, numa festa nacional em uníssono benefício de uma população martirizada por uma tragédia, de que se lembra este novo ídolo? De dizer uma brejeirice tão idiota quanto inapropriada no local, na circunstância. Aqui fica um conselho, Salvador: as desculpas não se dão, evitam-se!

Continuamos na leitura dos jornais e é impressionante como um conjunto de emails – idiotas uns, comprometedores outros – surgem como as trovoadas secas em Pedrógão, a queimar tudo à sua volta. 

O serviço encomendado ficou concluído: aparentar que as vitórias do Benfica foram resultantes de favores de arbitragem, como outrora sucedeu com o ‘Apito Dourado’, esquecendo jogadores ou treinadores que suaram para as conquistar. 

Na verdade, assim como o FC Porto ganhou há anos títulos europeus por mérito das suas equipas, também o Benfica ganhou agora o ‘tetra’ por mérito das suas equipas. Mas a colagem ficou feita e o objetivo atingido: denegrir, pela aparência de favores, as conquistas no campo.

E desta vez com graves consequências – pois este episódio feriu, de modo nada ‘aparente’ e quiçá indelével, a indústria do futebol. Por outras palavras, quem se quererá associar a gente assim? Sobretudo os anunciantes que patrocinam estes clubes? A imagem de todos fica deteriorada e a linguagem desbragada dos seus dirigentes, que somente pensam no imediato, apenas o confirma. 

Claro que é importante investigar, claro que é importante concluir, mas será que o objetivo de tudo isto não é apenas denegrir? Desenvolver aparências de favores que inquinam a imagem dos intervenientes? Com o enorme risco de nada se vir a provar, ficando a perdurar o anátema da suspeição.

Se isso acontecer, confirmar-se-á a importância das aparências – objetivo principal de quem despoleta estas guerras, com a convicção de que, nada se provando, a guerra ficou ganha.