O vintage é um perigo

Primeiro, mata-se. Depois, imita-se.

Corre-se atrás do passado para o recuperar, usando o novo para replicar o velho, para imitar o antigo – o vintage, usa chamar-se. O vintage anda por aí a apregoar azulejos rachados de propósito para o charme. O vintage anda por aí a esboroar sofás, lixar estilosamente madeiras, dar traulitadas estudadas em plaquinhas de metal com frases inspiradoras – em inglês, claro, que as fábricas da China ainda só têm esse dicionário. O vintage já me atacou, quando comprei uns quadros de madeira que diziam ‘Go jump in the lake”. Eram tão lindos.

O vintage é um paradoxo e é um perigo. É que, com o estilo vintage, tudo fica com aquele ar sedutor que parece trazer muitas histórias para contar quando, na verdade, só cheira a plástico com meia dúzia de dias. E nós lá vamos, sequiosos e a pagar – caro – o engano. E, em casa, deitamos mais uma chaveninha da tia-avó fora. Estava rachada…

A moda do vintage não se fica pelo bricabraque. Aliás, o vintage não seria tão perigoso se não saltasse fora das nossas casas. Mas ele anda por aí, a fazer vítimas. Ainda esta semana, durante a apresentação da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, anunciou que pretendia recuperar a rede de elétricos na cidade, “desmantelada há décadas”. “É uma rede abrangente e capilar que já provou ser segura, eficaz e sustentável”, defendeu o candidato. E tinha razão – é que, hoje, os elétricos andam cheios de turistas, porque o vintage está na moda. 

Mais do que o vintage, o original é que deveria estar na moda e, por isso, o que já estava bem feito nunca deveria ter sido trocado por substitutos menores. Também esta semana, foi anunciado que a sociedade Guilherme Cossoul perderia as centenárias instalações, ali no fim – ou no início – da avenida D. Carlos I até ao final do ano. No local, provavelmente, abrirá outros daqueles sítios ‘trendy’ com uma decoração… vintage.

A inovação faz parte de todos os pedaços da História. Já a estupidez de só dar valor ao passado depois de o destruir é que não deveria ter lugar no século XXI.