Um tiro no cruzador

Em crónicas anteriores, expliquei que António Costa tem estado, em boa parte, a colher os frutos que Passos Coelho semeou. A economia é como a Agricultura: há um tempo de semear e um tempo de colher. Mas o povo não quer saber dessas minudências, e colou Passos Coelho à imagem do parente semítico que cortava…

Em crónicas anteriores, expliquei que António Costa tem estado, em boa parte, a colher os frutos que Passos Coelho semeou.

A economia é como a Agricultura: há um tempo de semear e um tempo de colher.

Mas o povo não quer saber dessas minudências, e colou Passos Coelho à imagem do parente semítico que cortava nas mesadas – enquanto Costa é o tio generoso que abre os cordões à bolsa.

Passos era o mau da família, Costa é o bom.

Além disso, António Costa teve a sorte do seu lado noutras áreas: desde que assumiu o Governo, há menos de dois anos, Portugal já conseguiu dois êxitos que há muito perseguia mas nunca conquistara – o título europeu de futebol e a vitória no festival da Eurovisão.

Tudo isto junto ajudou a criar a ideia de que António Costa, além de ser um tipo bom, generoso, e um grande político, era um homem com sorte.

Tudo onde se metia corria bem.

Embora tivesse conquistado o poder de forma algo duvidosa, justificara amplamente o facto com a sua ação posterior.

O país estava bem entregue.

Era essa a impressão que se colhia – e era essa a ideia que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também ajudava a espalhar, fazendo repetidos elogios à ação governativa.

Estávamos neste pé quando ocorreu a catástrofe de Pedrógão.

E ela mudou tudo.

Na última edição do SOL, Sofia Vala Rocha apanhou muito bem essa ideia, ao escrever: «A tragédia acabou com o mito do sucesso perpétuo de António Costa e trava a propaganda agressiva do Governo».

É inteiramente verdade.

A impressão de otimismo que Costa projetava caiu num fim de semana.

O seu nome, a sua imagem vão ficar associados àqueles dois dias fatídicos.

É injusto, mas é assim.

Também era injusto António Costa estar a colher os louros do Governo de Passos Coelho, mas era a realidade.

Em política, como judiciosamente disse Salazar, «o que parece é».

O El Mundo não teve razão ao escrever que a carreira política de António Costa tinha acabado por causa da «gestão desastrosa» do incêndio que fez 64 mortos.

Aliás, só se atingiu esse número em virtude do erro tremendo da GNR que mandou literalmente pessoas para a morte.

É preciso separar as coisas.

O problema de Costa não foi a incapacidade do seu Governo para enfrentar a catástrofe: o problema de Costa é ficar associado a uma catástrofe, a um acontecimento terrível, a um pesadelo – logo ele, que beneficiava em cheio do facto de estar ligado a um período feliz da história recente de Portugal.

Mesmo toda aquela propaganda que aparecia nos jornais e nas televisões – «Portugal está na moda», «Portugal está bem e recomenda-se», «Portugal fez milagres», etc. – ficou subitamente comprometida.

Por muito tempo não se poderá dizer que vivemos um tempo feliz.

Vai custar muito a recuperar desta pancada.

O Governo não tinha feito grande coisa para beneficiar do estado de graça que estava a viver – e não fez nada para justificar este pesadelo que lhe desabou em cima.

A política é assim mesmo.

António Costa não vai poder continuar a ser o mesmo político que ria por tudo e por nada e chamava macambúzio a Passos Coelho.

Isso não significa que se demita, como alguns pretendiam.

Mas o seu comportamento vai ter de mudar.

Entrámos numa outra fase da política portuguesa.

P.S. 1 – POR QUE RAIO?

Ao vir à pressa dizer que o incêndio de Pedrógão tinha sido provocado por um raio, o diretor da PJ, querendo afastar suspeitas, acabou por levantar suspeitas. Porquê tanta pressa? Alguém lhe encomendou o sermão? E porquê uma posição tão afirmativa, quando a PJ é em geral cautelosa? E como pode ter a PJ a certeza de que foi um raio que causou o incêndio? Quem nos diz que o raio, mesmo tendo caído, não provocou qualquer ignição – tendo sido depois mão humana a atear o fogo? A pressa de vir a público apontar uma causa, o modo taxativo como o fez num caso em que pode haver probabilidades mas não pode haver certezas, mergulharam a PJ num mar de dúvidas.

P.S. 2 – GABINETE DE CRISE

Se o apuramento das causas da catástrofe e das responsabilidades envolvidas é importante, muito mais importante é a reconstrução. Se as pessoas começarem a ver as ruas e as estradas limpas, e as suas casas a ser reconstruídas, ganharão outro ânimo – e os danos psicológicos serão muito menores. Nesse sentido, julgo que seria útil a constituição de um ‘gabinete de crise’ com esta finalidade. Esse gabinete, integrando ou não alguns ministros, podia mobilizar voluntários em todo o país (estudantes, escuteiros, militantes partidários, etc.) e constituir equipas, devidamente lideradas por arquitetos e engenheiros, que começariam desde já a trabalhar. Em vez de gastarem tempo com estéreis debates, os responsáveis políticos deveriam concentrar-se nas tarefas concretas de reconstrução e reabilitação do que foi destruído. O tempo é de menos palavras e mais ação.

Retificação – No dia 10 de junho, neste espaço, a propósito de alegados casos de corrupção na EDP, referi o nome de Manso Preto. Tratou-se de um erro, pelo qual me penitencio: o nome correto era Manso Neto.