Tancos. Militares em polvorosa convocam manif proibida por lei

Amanhã, os oficiais do Exército juntam-se numa manifestação sem precedentes para pedir a exoneração do CEME Rovisco Duarte e do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Pina Monteiro

O assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, que levou o chefe do Estado Maior do Exército (CEME) a exonerar cinco comandantes, motivou uma reação interna sem precedentes no Exército. Ontem, os oficiais convocaram por e-mail uma manifestação que terá lugar amanhã às 11h30 em Belém. Para tal, os oficiais devem aparecer fardados e com as respetivas espadas, envergando o “uniforme número 1, sem condecorações”, usando apenas “os crachás de especialidade”.

O ponto de encontro da convocatória tem um caráter simbólico – o Monumento aos Combatentes do Ultramar –, ponto de homenagem aos que perderam a vida na guerra colonial.

O protesto tem, como fim, pedir a exoneração do CEME Rovisco Duarte e do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Pina Monteiro. Dali, os oficiais marcharão em silêncio até Belém para mais um ato carregado de simbolismo – a deposição das espadas diante da Presidência da República. Estando devidamente fardados, esta manifestação é, à luz da Constituição e do Direito Militar, proibida por lei, pelo que os militares manifestantes podem ser sujeitos a processos disciplinares.

Este será um ato inédito no Exército português e o motivo de força maior que terá levado os oficiais a reagir desta forma prende-se, apurou o i, com as cinco exonerações anunciadas no sábado por Rovisco Duarte: caíram o tenente-coronel Teixeira Correia, comandante da Unidade de Apoio da Brigada de Reação Rápida; coronel Ferreira Duarte, responsável pelo Regimento de Infantaria 15; coronel Hilário Peixeiro, comandante do Regimento de Paraquedista; Coronel Paulo de Almeida, que dirigia o Regimento de Engenharia n.º1 e o coronel Amorim Ribeiro, responsável pela Unidade de Apoio Geral de Material do Exército.

O CEME não terá comunicado as exonerações aos superiores diretos dos comandantes demitidos.

“Cortou as pernas a oficiais num terceiro nível abaixo dele, ultrapassando os responsáveis que estão no meio – não avisou o Comandante das Forças Terrestres, que é quem manda no Regimento de Engenharia, nem o Comandante do Quartel Mestre General, da área de apoio geral de material do Exército ”, disse um oficial ao i.

“Está um ambiente muito pesado, de cortar à faca, generais contra generais, altamente revoltados”, afirmou o militar, referindo-se ao Conselho Superior do Exército – o órgão máximo de consulta do CEME onde só têm assento os generais de três estrelas –, que esteve ontem reunido.

Bodes expiatórios

Não é apenas falta de aviso hierárquico que está a pôr o Exército em polvorosa. Os militares sentem que estão a ser bodes expiatórios no caso de Tancos, até porque os problemas com a segurança dos paióis estavam devidamente identificados e tinham chegado ao topo da hierarquia das Forças Armadas há pelo menos cinco anos, sabe o i. O pedido de reparação dos sistemas de videovigilância foi efetuado mas não terá sido considerado “prioritário”, explicou ao i um oficial conhecedor deste dossier, afirmando que este é o resultado de anos a fio de desinvestimento nas Forças Armadas – exatamente o mesmo motivo apontado pela Associação de Oficiais das Forças Armadas à RTP.

E, ainda assim, as cabeças que rolaram não foram as dos responsáveis máximos do Exército e das Forças Armadas. Uma ação que terá sido pedida pelo próprio primeiro-ministro. “O que consta é que houve pressão política vinda de António Costa, através do ministro da Defesa, para fazer rolar cabeças rápido e apaziguar a opinião pública. Esta decisão só foi tomada assim para fazer com que a imprensa tivesse um bode expiatório e esvaziasse o balão de tensão que estava no ar”, referiu o oficial, afirmando que é um “tiro que saiu pela culatra”. E a maior prova disso é a manifestação dos oficiais.

Exoneração temporária?

Rovisco Duarte anunciou a exoneração dos cinco comandantes em entrevista à RTP, no sábado. No dia seguinte, o porta-voz do Exército, tenente-coronel Vicente Pereira, afirmou que as exonerações eram temporárias e que só seriam tomadas ações definitivas contra os comandantes no final da investigação. [Só no final das averiguações] poderá haver decisões, ou voltam a funções ou não voltam a funções”. Ora, segundo o estatuto dos militares, a figura de exoneração temporária não existe.

“Não quero que haja entraves às averiguações e decidi exonerar os cinco comandantes das unidades que de alguma forma estão relacionadas com estes processos”