Da Ásia à América Latina, os artistas que viveram em Aljustrel

Chegaram a Aljustrel de toda a parte do planeta. Uns mais tímidos, outros mais exuberantes, finalizaram uma residência artística no Baixo Alentejo com a apresentação dos seus projectos de arte contemporânea no Atalaia Artes Performativas. Descreveram a experiência como positiva e parece que vão sair de Portugal com outra inspiração. Há, no entanto, quem queira…

Da Ásia à América Latina, os artistas que viveram em Aljustrel

António Ferreira  e Rui Gueifão

António Guimarães Ferreira e Rui Gueifão são dois artistas portugueses, originários de Lisboa. Ao Atalaia Artes Performativas levaram um conceito em movimento, uma escultura itinerante “em construção participada e permanente”, explicam. O projeto – composto pela criação de uma peça, o seu transporte e a constante transformação da mesma, sempre finalizada com um “streaming” na internet -, criou uma enorme envolvência entre a comunidade e os criadores.  A peça que se transforma ao sabor do contexto e do local onde é exposta, é transportada numa carroça que os próprios artistas construíram e que carregam durante vários dias, entre Aljustrel e Ourique. Vão parando nas localidades que surgem pelo caminho, entre as planícies e pequenos montes alentejanos, despertando sempre uma enorme curiosidade dos que passam. Revivendo a experiência do caixeiro-viajante, transportam a cada terra e aos que lá vivem a experiência da arte contemporânea, cuja mutação está dependente dos locais que interagem com o trabalho. “Ainda ontem uma senhora de idade esteve a ajudar-nos com a criação da escultura”, conta António com o entusiasmo de quem não estava preparado para tão positiva recetividade. Debaixo do calor alentejano, a carga da obra e o peso da criação suaram pelas estradas solitárias que atravessaram. Durante uma semana em residência em Aljustrel, avaliam agora a  experiência que “não poderia ter corrido melhor”.


Myungduk Kim

Veio da Coreia do Sul e diz-se apaixonado pelas terras alentejanas. “Já não quero ir embora, tenho tudo que preciso aqui”, conta com um sorriso tímido, de quem não acha muita graça a ser gravado. O que é curioso, já que o seu trabalho baseia-se na gravação e exploração sonora. Com o projeto “Unfolding Time”, que apresentou em Aljustrel no dia 30 de junho às 21h30,  Kim pretende “acordar as pessoas e fazê-las recordar os verdadeiros significados da existência humana”, explica. Ao i descreve que o seu trabalho envolve computação, deformações sonoras simuladas que se moldam ao movimento físico e ainda projeções visuais. A ideia é criar uma interatividade mas “acima de tudo o sentir e o pensar”. “Quero partilhar com as pessoas a minha perceção do mundo, o que eu sinto, o que eu ouço, do que a natureza nos dá. Há tanta informação constantemente a ser partilhada pela natureza, mas os humanos criaram uma forma de estar que não lhes permite desfrutar dela. Passamos muito tempo a admirar as estrelas à procura de respostas, mas as respostas estão todas aqui. São-nos todas dadas pela natureza que nos rodeia”. Na Coreia do Sul, assim como em quase qualquer parte do mundo, é impossível o artista sobreviver só da sua arte. Daí que, durante a sua estadia na Europa, em que tem vivido no sul da Alemanha, lecione a sua língua materna e música. Diz que o sistema em que nasceu é “supercapitalista” e que isso dificulta a conceptualização da arte, tornando-se um constante desafio.  

Ruben Green e Sophie Mak-Schram

Quando chegaram a Aljustrel, vindo da frenética e irresistível Londres, sentiram o choque do silêncio e da calma. Não acham piada às etiquetas e categorizações, “a Sophie detesta que lhe chamem artista”, explica Ruben enquanto ri. E a explicação é simples “limitamo-nos a partilhar a forma como sentimos os espaços e as histórias”. Na mineira vila alentejana recuperaram uma série de mitos e lendas e levaram a comunidade a percorrer um percurso pelos recantos pitorescos que Aljustrel lhes guardou. “A língua foi uma barreira, mas era uma terra cheia de energia para partilhar, estamos felizes com o resultado”, comenta o jovem de 21 anos. O projeto intitulado “The Maybe Museum” é uma performance prolongada com recursos às instalações, que pega na forma tradicional do guia turístico a levar os visitantes aos pontos de interesse local, mas transformando toda a experiência através da revitalização das memórias e estórias que lá cresceram, narrando as gentes e os hábitos que as pessoas de Aljustrel criaram ao longo dos tempos. 

Guillermo León

Nasceu no México, mas tem vivido, nos últimos anos, entre fronteiras europeias. Ainda tentou estudar Jornalismo, mas desistiu assim que a paixão pelas artes circenses falou mais alto. Mudou-se para Berlim e estudou em escolas circenses e depois Bordéus, seguindo-se Holanda, onde se graduou explorando o mundo das artes circenses. Estudou-as e seguiu viagem, que lhe tem proporcionado conhecer o mundo através da manipulação de objetos, do movimento e do humor contemporâneo. Enquanto leva o circo a vários países que aleatoriamente lhe vão surgindo no percurso, tenta ensinar também o que sabe através de workshops e interatividade com o público. Fascinado pelo universo circense, garante que o cenário do circo está a mudar em todo mundo. “Está a concentrar-se na arte, na performance, está a deixar de ser sobre os animais e os fatos brilhantes”, conta com ar positivo. O seu projeto “Remember” não é “um espetáculo de circo tradicional, é uma interpretação e uma forma de expressão”, explica.  Soube de Aljustrel pela irmã, que é bailarina e vive no Canadá. Ao chegar a Aljustrel assustou-se com a diferença de atmosfera. O calor, o silêncio e a falta de movimento fizeram-no prever algum aborrecimento, mas a perceção foi mudando assim que se instalou na residência. Esteve no Alentejo durante cinco semanas. Sentiu que as pessoas não reagiram muito bem ao chamamento para o workshop de artes circenses já que “não apareceu ninguém”, mas isso não o fez desistir. A produção do Atalaia propôs-lhe que fosse até às escolas e foi lá que se renderam aos encantos do malabarismo e das maravilhas do espetáculo circense. 

Stratofyzika

São quatro artistas que se reúnem no projeto  “Phi” que é complexo, massivo e dinâmico. O nome do coletivo é Stratofyzika e junta quatro artistas do mundo da dança, do som e das imagens.  Lenka Kocisova (República Checa), Hen Lovely Bird (EUA) e  Alessandra Leone (Itália) criaram o coletivo Stratofyzika para se dedicarem à conexão entre o digital e o movimento, numa comunhão entre o som e a imagem, recorrendo ainda à força da dança com a utilização de sensores de movimento, também eles criadores de som. Lenka é artista residente em Berlim, onde vive há vários anos. Descreve o projeto como uma obra de arte complexa :“Tentamos que se sinta tudo ao máximo, como uma explosão de conteúdo”, explica.  As três colegas já haviam experimentado uma residência artística em Portugal e daí que quando souberam desta oportunidade não hesitaram em candidatar-se. Em colaboração com o projeto “Phi”, esteve a bailarina e coreógrafa americana Daria Kaufman, amiga de longa data da também bailarina Hen Lovely Bird. Juntas, ao som da resistente componente sonora a de Lenkae do jogo de luzes de Alessandra, formam um tornado energético que abalou todos os que o presenciaram.

Ana Nobre

Diretora artística do festival, responsável pelo nascimento e desenvolvimento do mesmo, é natural de Ourique. Depois de estudar Belas Artes em Lisboa, decidiu voltar às suas origens onde “se pode viver como a cidade não permite: com uma qualidade de vida, de ar, de comida e de experiência social completamente diferente”, descreve. Ainda que considere melhor o estilo de vida que leva em Ourique, hoje em dia lamenta que o ambiente das vilas alentejanas tenha sofrido mutações que vieram com o tempo. “Antigamente estava tudo à porta, as crianças brincavam na rua, as pessoas conversavam, contavam-se histórias. Agora está tudo dentro de casa, as mães têm medo que alguém lhes leve os miúdos, devem ver muita televisão”, conta com a testa franzida.A ideia é continuar a produção deste festival, mas tudo está dependente dos apoios que lhes serão fornecidos. Quanto ao sentimento de missão cumprida, esse vê-se no rosto satisfeito dos vários artistas que viveram esta experiência, que lhes tocou não só a eles, mas também a todos os que se cruzaram com o Atalaia Artes Performativas, em Ourique e Aljustrel.