Portugueses. A conquista do mundo não acabou com D. Manuel I

Dos palcos mais altos da Europa até ao recôndito continente da Oceânia, os portugueses não se cansaram de ganhar em 2016/17

“Era um mundo novo/ Um sonho de poetas”. Naquele verão de 1989, estes versos andavam na boca de todo o país. Com o tema “Conquistador”, os Da Vinci, uma banda de pop-rock composta pelo casal Pedro Luís Neves e lei-Or, venceu o Festival da Canção e ganhou o seu lugar no cancioneiro português: por mais anos que passem, o refrão que exalta os feitos de Portugal pelo mundo na era áurea dos Descobrimentos não sai do imaginário coletivo.

E essa palavra, conquistador, tem andado de braço dado com a história de Portugal. É esse o cognome do primeiro rei da nação, aquele com que tudo começou, e tem sido sempre assim em cada área. O futebol não é exceção, e a prova disso é a lista compilada e aqui apresentada pelo i de jogadores e treinadores portugueses que na época agora finda conquistaram – o verbo não foi escolhido por coincidência – títulos, troféus e distinções um pouco por todo o mundo. Não é eufemismo: das maiores competições da Europa até à Liga dos Campeões da Oceânia, passando por África e Ásia, houve representantes lusos a festejar. E até se foi ao Brasil, como lei-Or cantava, embora aí a glória não se tenha apresentado tão disponível. Paciência: não se pode ganhar tudo. Mas pode ficar-se muito perto disso…

Só Itália escapou

Como o caro leitor já deve ter percebido, neste texto não se vai falar só dos “grandes”. Claro que o Real Madrid de Cristiano Ronaldo ou o Manchester United de José Mourinho foram, de facto, os maiores conquistadores da temporada, mas a influência portuguesa nas celebrações vai muito além destes dois verdadeiros bichos-papões.

É, todavia, absolutamente incontornável lembrar a época histórica do Real Madrid, que começou por vencer o Mundial de clubes, ainda em dezembro (competição onde Pepe e Fábio Coentrão não alinharam um único minuto, apesar de terem o nome na lista de vencedores), antes de açambarcar a Liga espanhola e de conseguir uma inédita segunda vitória consecutiva na Liga dos Campeões. Aqui, será sempre indissociável o contributo de Ronaldo, melhor marcador da equipa nas duas provas – e da Champions em termos absolutos, depois de uma fase a eliminar implacável, com dez golos apontados em quatro jogos, dois dos quais na final (4-1 à Juventus).

Mourinho, por seu turno, não agradou a toda a gente na primeira época à frente do gigante United, mas mesmo assim alargou o palmarés com mais três competições: a Supertaça, logo no primeiro jogo oficial da temporada (2-1 ao Leicester); a Taça da Liga e, por fim, a Liga Europa, o único troféu que faltava no historial dos red devils. Podia ter feito melhor na Premier League? Sim, sem dúvida: o sexto lugar não deixou nenhum adepto mancuniano satisfeito. Mas ninguém enjeita a possibilidade de ganhar troféus, e Mourinho conquistou três.

Em Inglaterra há outro português que cantou vitória: Eduardo. Isto apesar de não ter feito qualquer minuto na Premier League, sendo assim diminuta a sua contribuição para o título do Chelsea. Ainda assim, fez parte do plantel e andou na festa com os colegas – embora sem receber medalha de campeão, como ditam os exigentes regulamentos ingleses.

E, já agora, em Espanha também não foi só o trio do Real Madrid a sorrir. É que a Taça e a Supertaça ficaram em Barcelona, onde milita André Gomes. Bastante criticado durante grande parte da temporada, o internacional português acabou por ir mudando a opinião dos adeptos de forma gradual e terminou a jogar a lateral direito na final da Taça, com o Barça a vencer o Alavés por 3-1. E a crítica gostou, nomeadamente pela determinação do jogador. A aguçar a expetativa pelo que poderá fazer na segunda época.

O mesmo se pode dizer de Renato Sanches. Debaixo de um coro imenso de críticas devido ao baixo rendimento demonstrado na época de estreia no Bayern, a verdade é que o jovem internacional luso acumulou 17 participações na Bundesliga e celebrou a conquista do título. Também neste caso, a segunda temporada no clube poderá ser decisiva para demonstrar o papel que o médio português irá ter num dos maiores clubes do mundo. Por agora, já ficou na história, sendo o primeiro português a jogar – e a ser campeão – no Bayern.

Mas também na Taça houve festejos em português: Raphael Guerreiro celebrou pelo Borússia Dortmund – o primeiro a conseguir um troféu pelo gigante da Yellow Wall desde que Paulo Sousa ergueu a Liga dos Campeões em 96/97.

E chegamos a França, que viu um treinador português levantar o cetro mais desejado pela primeira vez desde Artur Jorge no PSG, em 93/94. O Mónaco de Leonardo Jardim foi uma verdadeira lufada de ar fresco no cenário do futebol atual: uma equipa recheada de jovens – mesmo muito jovens – a praticar um futebol de ataque, sempre em alta rotação, e a obter resultados visíveis. Além do título, no qual participaram três portugueses (Bernardo Silva, uma das estrelas da prova; João Moutinho, ainda bastante influente; e Ivan Cavaleiro, nas primeiras duas jornadas), chegou ainda às meias-finais da Liga dos Campeões, depois de um percurso irrepreensível. Nota máxima.

Com menos influência na conquista do troféu, mas ainda assim inscrevendo o seu nome na lista de vencedores, ficou Gonçalo Guedes na Taça ganha pelo PSG. Mais um caso de um jogador que terá, na segunda temporada, de confirmar as elevadas expetativas nele depositadas.

Festa da Ucrânia a Andorra

Das grandes ligas foi este o saldo, pois em Itália não houve portugueses a abrir o champanhe – um cenário que poderá mudar esta temporada, com a chegada de André Silva ao AC Milan.

Mas o futebol não para pelas grandes ligas. Há muito mais para relatar. Como o feito de Paulo Fonseca, que na primeira época ao comando do Shakhtar Donetsk conseguiu a dobradinha. Só falhou a Supertaça: essa foi para o bolso de Antunes, que joga no Dínamo de Kiev. Na vizinha Rússia, Manuel Fernandes e Luís Neto também tiveram o que celebrar: o médio venceu a segunda Taça ao serviço do Lokomotiv, enquanto o central levantou a Supertaça pelo Zenit (Danny, capitão, ainda recuperava de grave lesão quando o jogo foi realizado).

E daqui para a Turquia, onde houve mais dois portugueses com medalhas: Quaresma foi bicampeão nacional pelo Besiktas; Bruma venceu a Supertaça no Galatasaray.

Na Grécia falou-se igualmente português na hora dos festejos. Diogo Figueiras, André Martins e Gonçalo Paciência (um jogo na primeira metade da época foi suficiente para o avançado, que em janeiro se juntou ao Rio Ave) celebraram o enésimo título do Olympiacos, que também teve mão de Paulo Bento – o técnico luso não terminou a época, mas cumpriu uma grande parte da mesma. E em Chipre, ali ao lado, mais um crónico campeão: o APOEL, que coroou o capitão Nuno Morais e também Mário Sérgio. Este protagonizou um caso curioso: viria a vencer também a Taça, batendo na final… o APOEL, enquanto estava ao serviço do Apollon. Aí, foi colega de Bruno Vale, Tiago Gomes e João Pedro, sendo Pedro Emanuel o timoneiro em grande parte do percurso – como, por exemplo, na Supertaça, onde participou também Nuno Lopes, antes de partir para o Estoril.

Mas continua. Em Israel, Miguel Vítor foi campeão pelo Hapoel Beer Sheva e eleito o melhor jogador do campeonato – uma distinção enorme, tendo em conta que falamos de um defesa central. Na Bulgária, Vitinha conquistou o sexto campeonato consecutivo pelo Ludogorets, enquanto Geraldo e Filipe Teixeira iniciaram a temporada a vencer a Supertaça na Roménia (Astra). Márcio Soares (Crusaders, Irlanda do Norte), Chula (Zalgiris, Lituânia) e António Marinho (FC Santa Coloma, Andorra) encerram a gloriosa caminhada lusa na Europa – e houve ainda Pedro Reis, do UE Santa Coloma, a vencer a Taça e a Supertaça no pequeno principado situado entre o nordeste de Espanha e o sudoeste de França.

Uma referência também para os gémeos Paixão, que continuam a dominar as atenções na Polónia, apesar da ausência de títulos. Marco, com 18 golos, foi pela segunda vez na carreira o artilheiro do campeonato, sendo ainda o melhor goleador de sempre do Lechia Gdansk numa temporada – já o havia conseguido também no Slask Wroclaw, em 2013/14. Flávio, por sua vez, foi eleito o melhor extremo direito da prova pelo segundo ano consecutivo.

O exotismo que nunca falta

A viagem, todavia, não se encerra na Europa. Descendo um pouco no mapa chegamos a Angola, onde o técnico João Paulo Costa e os portugueses Ricardo Batista e Erivaldo deram a Taça ao Libolo, um ano depois de terem vencido o Girabola. Na Ásia, José Gomes ganhou a Supertaça da Arábia Saudita, e Jesualdo Ferreira a Taça do Príncipe no Qatar – além do imbróglio que existiu na Tailândia: a morte do rei precipitou o fim de todas as competições, estando Bruno Moreira, pelo Buriram, na final da Taça da Liga, e Yannick Djaló, do Ratchaburi, na final da Taça. Na exótica Superliga indiana, que continua a tentar expandir os seus horizontes, Hélder Postiga e Sereno foram campeões pelo Atlético de Calcutá, além da legião portuguesa que celebrou o tetracampeonato pelo Benfica de Macau – qualquer semelhança com a realidade portuguesa é pura coincidência…

E chegamos ao ponto mais exótico deste périplo: a Oceânia. Mais concretamente, a Nova Zelândia, onde desde 2014 um português é rei e senhor: João Moreira. Antiga promessa do futebol nacional, foi contratado aos 18 anos pelo Valência, mas acabou por se perder em divisões inferiores de Espanha até aceitar o convite do Auckland City. Na ilha pertencente à comunidade britânica reencontrou a felicidade, os golos e os títulos: além de dois campeonatos (e uma Supertaça ganha nesta temporada), venceu já por quatro vezes a Liga dos Campeões da Oceânia, prova na qual é o maior goleador de sempre, com 19 tentos.

Uma palavra ainda para os portugueses que comandam seleções nacionais: ao apurar o Irão para o Mundial do próximo ano, Carlos Queiroz tornou-se o segundo treinador da História a conseguir quatro apuramentos para a maior competição do mundo de seleções. No Burquina Faso, Paulo Duarte conseguiu um honroso terceiro lugar na CAN disputada em janeiro/fevereiro, batendo o poderoso Gana (1-0). Lidera o seu grupo no apuramento para o Mundial e também no apuramento para a CAN de 2019.

Como vê, caro leitor, feitos e conquistas não faltam. “Foram mil epopeias/ Vidas tão cheias…”