«Amo-te. Casas comigo?»

Esta pintura, em Telheiras, é bastante conhecida porque é muito visível e porque se encontra numa via de grande circulação e de acesso a hipermercados. Através dela, alguém declara: «Amo-te» e, simultaneamente, pergunta: «Casas comigo?». Ao que a pessoa amada responde, num quadrado para o efeito: «Sim».

Imagino que esta declaração de amor tenha sido encomendada a artistas que pintam murais, porque se trata de uma pintura muito bem-feita, com um aspeto que, em princípio, terá sido pensado para surpreender e comover.

Quase consigo imaginar a surpresa da pessoa que foi pedida em casamento através deste mural. E este é o tipo de situação que acontece cada vez mais – surpreender com pedidos de casamento em momentos encenados, colocando, por exemplo, um anel de noivado numa flûte de champanhe (ou, talvez, apenas, de espumante); descendo o noivo de para-quedas no meio de um local deserto, ou qualquer outra forma de encantar, porque a imaginação não tem limites… Há, inclusivamente, empresas especializadas em preparar casamentos inovadores e criativos. Trata-se, a meu ver, de uma aproveitamento, lícito, da necessidade que as pessoas têm de, cada vez mais, se excederem ou excederem os seus próprios pensamentos ou as expectativas dos outros, num tempo em que, como diz Fernando Pessoa: «Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem. / Nem o que é mal nem o que é bem.»

É claro que a surpresa em Telheiras deve ter sido comovente, mas será que todos precisamos de continuar a ver aquele pedido de casamento, que foi um momento pontual, durante anos e anos, todos os dias? Que terá acontecido àquele casal? Continuarão juntos e muito felizes, eventualmente já com descendência? Ou terá a paixão que levou ao ímpeto de pintar a parede esmorecido e acabado aos poucos, até nada restar? Quantos casamentos serão tão ou mais felizes que aquele, apesar de terem começado com uma simples declaração de amor, em privado, apenas entre as duas pessoas que passaram a viver juntas? Porque o amor é um sentimento íntimo, e o que se diz, ou faz, em casal, deveria pertencer ao foro íntimo, em vez de ser transposto para a praça pública. Corre-se, pois, hoje, o risco de, com Luísa Neto Jorge, se chegar à dúvida extrema: «sei lá que é pleno / sei lá que é vazio».

É claro que tudo o que questiono e as reflexões que este mural me suscita não retiram o mérito desta surpresa amorosa. Apenas questiono o lado de encenação e pouca intimidade que este pedido encerra, e que me leva a refletir sobre a necessidade de exposição pública que as pessoas sentem – a vontade de partilharem com os outros, através das redes sociais, aquilo que fazem, de mostrarem que a sua vida tem interesse, que visitam sítios bonitos, que comem comidas saudáveis, que praticam desporto, que convivem com os amigos, que frequentam exposições e outros eventos culturais… E, para evidenciarem o que fazem, por vezes, dão primazia às imagens em detrimento das palavras, que são, habitualmente, a forma que procuramos para expressar sentimentos (naturalmente, quando em presença, os gestos são, talvez, a melhor forma…). Mas as palavras, por vezes, «escapam-nos» e não conseguimos transmitir exatamente aquilo que pensamos ou sentimos. É Manuel António Pina que, sobre as palavras, diz: «que procurei em vão, / principalmente as que estiveram muito perto, / como uma respiração, / e não reconheci, / ou desistiram e partiram para sempre». Mas é, sobretudo, esta inexatidão, este equilíbrio entre o que é dito e o que fica por dizer que nos aproxima ou afasta mais dos outros, que dá humanidade à interação das pessoas. E uma relação pessoal, cara a cara, por escrito, ou pelo telefone, é sempre mais humana, mais pessoal, do que uma declaração pública, pintada numa parede, no meio da cidade.

E, em minha opinião, a necessidade de exposição é, muitas vezes, um disfarce para a falta de profundidade, a falta de verdadeiros laços entre as pessoas. Mas, naturalmente, a opinião é livre…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services