Um país democrático tem sempre o Governo que merece

A fazer fé no que dizem os jornais e as televisões, só agora a opinião pública portuguesa está a aperceber-se de que as autoridades, instituições e estruturas do Estado estão muito longe de merecer a nossa confiança.

Mas foi preciso acontecer a enorme tragédia de Pedrógão Grande, logo seguida do assalto ao paiol militar de Tancos, para que muitos cidadãos começassem a dar-se conta da inexistência, em Portugal, de um Estado digno desse nome, minimamente capaz de assegurar o direito à vida dos seus habitantes.

Mais: no momento em que os responsáveis máximos do Estado ainda não apresentaram nenhum pedido de desculpas às vítimas do incêndio nem foi dada qualquer explicação oficial para aquelas duas situações-limite — e enquanto o país permanece incrédulo e expectante face ao caos assim gerado –, o primeiro-ministro, habituado que está a ser ovacionado onde quer que vá e diga o que disser, resolveu fazer duas coisas impensáveis: deu ordens para que se verifique se a sua enorme popularidade foi beliscada por estes dois casos (sinal de que o seu sucesso pessoal, e não o estado do país, é realmente o que mais lhe importa) e, logo a seguir, zarpou para uma ilha no Mediterrâneo, a fim de gozar umas belas e merecidas férias… pois, evidentemente, acha que o seu Governo já deu suficiente riqueza, fama e tranquilidade ao país, e nenhum português terá sofrido, nos últimos 15 dias, tantos horrores e cansaço como ele sofreu! Nada mais apropriado e justo poderia imaginar-se para coroar a situação presente do nosso país.

Ao contrário da maioria dos meus concidadãos, deixei de ter confiança no Estado há perto de 40 anos, e nunca mais vi razões para voltar a tê-la. De resto, a minha desconfiança não se deveu sobretudo a falhas como aquelas que agora ficaram bem patentes, mas sim ao facto de se ter tornado óbvio, para mim, que o Estado democrático português deixou de valorizar o princípio segundo o qual é sua estrita obrigação comportar-se sempre como pessoa de bem, e em vez disso passou a só actuar com decência quando a isso é obrigado, ou quando, por qualquer razão, isso lhe convém.

Desde então tive ocasião de verificar que, relativamente a diversas questões concretas, o actual regime não hesita em adoptar medidas imorais e ilegítimas, violadoras de direitos fundamentais, que nem a anterior ditadura violara. Ou seja: percebi desde há muito que, contrariamente à crença usual, a credibilidade do nosso Estado assenta em falácias, em mitos, pois, na verdade, não merece o nosso respeito.

Concordo que, ultimamente, foram ultrapassados todos os ‘limites do admissível’ a que estávamos habituados por parte dos representantes do Estado, mas, de facto, há já muitos anos que o povo português é refém de um regime político, supostamente respeitável em termos conceptuais, mas cujos vícios e defeitos acabam por ter, na prática, muito mais peso do que as virtudes. E, pior ainda, um regime que todos os dias dá mostras de não ter a menor vontade de se deixar aperfeiçoar.

Até quando nos resignaremos a aceitar esta situação?  

António Silva Carvalho