Mesca. “O campeonato de Chipre já não é fraco como as pessoas pensam. É muito difícil!”

Mesca foi o primeiro português a marcar (e a assistir) nas competições europeias esta época, confirmando o crescimento desde os tempos de Chelsea e Fulham

São poucos, muito poucos, os futebolistas portugueses que se podem gabar de ter jogado na Premier League. Entre eles está Buomesca Tué Na Bangna – Mesca para os amigos. Trocou a Guiné-Bissau pelo Sporting aos 15 anos mas nem aqueceu em Alcochete: o chamamento do Chelsea foi mais forte. As lesões, e um desentendimento entre dois treinadores que não se conseguiram decidir, atirou-o para fora dos Blues; o Fulham aproveitou e deu-lhe a oportunidade de se estrear no seu campeonato de sonho. Em busca de “mais jogos nas pernas”, rumou a Chipre e hoje, no AEL Limassol, o irmão mais velho de Bruma é feliz e começa finalmente a marcar o seu nome na Europa do futebol.

Olá, Mesca. Tudo bem? Sabia que foi o primeiro português a marcar nas competições europeias até agora?

Olá, amigo. Não, na verdade não sabia disso. Fico muito feliz!

Para quem não viu, como foi esse golo (vitória do AEL por 4-0 sobre o St. Joseph’s, de Gibraltar, para a primeira pré-eliminatória da Liga Europa)?

Recebi a bola na direita, passei no meio de dois defesas e chutei ao ângulo esquerdo. Foi uma jogada individual, peguei na bola, arranquei e marquei. Foi um bom golo.

Qual é o grande objetivo? Chegar à fase de grupos? Não vai ser fácil…

Não será fácil, mas é possível. Hoje em dia já não há jogos fáceis no futebol: nem nós podemos menosprezar os adversários quando eles são mais fracos, como foi o caso desta equipa de Gibraltar, nem a partir daqui os outros podem achar que vai ser fácil jogar contra nós. Sei que podemos chegar lá, e claro que é um sonho jogar nesses palcos, crescer no futebol.

E a nível interno? Contrariar o APOEL também não é pera doce!

É muito difícil, o APOEL é um grande clube. E há mais equipas a lutar pelo título, o campeonato aqui é muito difícil.

Não considera a possibilidade de sair do AEL até ao fim do mercado? O campeonato cipriota continua a não ser muito mediático…

Hoje já tem mais visibilidade do que há uns anos. Já não é o campeonato fraco que as pessoas pensam, é muito errado pensar dessa forma. É um campeonato muito competitivo, muito intenso, com cinco equipas a lutar pelo título. E já tem muitos olheiros a ver os jogos. Estou feliz aqui: jogo, sou importante para a equipa, marco, faço assistências. Vim para aqui para ganhar experiência e jogos nas pernas. Precisava de jogar, isso era o mais importante para mim. Por isso estou muito bem aqui. Claro que o objetivo é chegar a um nível mais alto, mas por agora estou feliz no AEL.

Vamos por ordem cronológica: como se deu a possibilidade de vir jogar para o Sporting com 15 anos?

Eu estava a jogar na academia que colaborava com o Catió [Baldé, empresário]. Os olheiros do Sporting foram lá, gostaram de mim e fizeram-me o convite.

Veio com o seu irmão Bruma?

Não. O olheiro do Bruma era do Benfica, ele quando vai para Portugal era para ir jogar para o Benfica.

A sério? O que aconteceu então para acabar no Sporting?

Não faço ideia. Aquelas coisas de empresários…

E como surge o Chelsea?

O Catió tinha conhecimentos em Inglaterra e conseguiu essa possibilidade. Eu estive muito pouco tempo no Sporting: um dia ele liga-me e diz: “Mesca, faz as malas que vais para o Chelsea!” E lá fui.

Para si foi uma loucura, calculo! Um menino de 16 anos de repente receber essa notícia…

Nunca esperava! Poder jogar em Inglaterra é aquela coisa… Passei lá bons momentos, receberam-me muito bem. Era tudo diferente, a academia, as regras. Foi muito difícil ao início. O clima, sempre muito frio! Depois, tive uma lesão grave com o Arsenal, tive de parar seis meses. Mas foi maravilhoso treinar com os seniores. Kalou, Drogba, todos me tratavam muito bem.

Mas ao fim de dois anos saiu. Porquê?

O treinador dos sub-21 [Steve Holland] acreditava muito em mim, queria que eu ficasse, por ele estava tudo pronto para renovar o contrato comigo. Mas o treinador dos sub-18 gostava mais de outro extremo que havia lá, um gajo maluco, que roubava as coisas dos seniores quando íamos treinar com eles! Só fazia porcaria. E nessa altura eu estava nos sub-18, aconteceram as lesões e no fim, como não se entenderam sobre qual dos jogadores havia de ficar, acabaram por mandar os dois embora.

E aí aparece o Fulham.

Sim. Também foi através do Catió: perguntou se eles estariam interessados, disseram que sim e fui. Para mim foi o ideal: a academia do Fulham é pertíssimo da do Chelsea, fiquei em casa!

Sentiu a mudança, ou nem por isso?

Não, adaptei-me muito bem. A academia do Chelsea é linda, bem preparada, com tudo do melhor, mas o Fulham também é um clube grande, com uma academia grande, cinco ou seis campos de treino… Tinha condições muito boas também. Gostei muito de jogar lá e fiz muita coisa com os seniores, treinava praticamente sempre com eles. Depois ia jogar aos sub-21.

Esteve duas épocas a jogar pelos sub-21, e eis que à terceira, com 20 anos, se estreia na Premier League!

Na primeira época [2011/12], o mesmo joelho a que tinha sido operado quando estava no Chelsea começou a doer novamente e tive de ser operado outra vez. Depois na segunda época, na pré-época que fomos fazer à Austrália, estava tudo a correr bem, eu ia ficar no plantel e tinha a garantia do treinador de que ia jogar na primeira jornada do campeonato, com o Norwich. Era o Martin Jol, um holandês [ex-Tottenham, Hamburgo ou Ajax, entre outros]. Ele gostava muito de mim. Então, durante um treino, eu estava a marcar o [John Arne] Riise, aquele norueguês que tinha jogado no Liverpool. Tirei-lhe a bola, ele veio por trás e fez-me uma entrada. O joelho começou a doer novamente, tive de ser operado outra vez e voltei a ficar vários meses de fora. O futebol é assim.

E foi por isso que só se estreou em 2013/14.

Sim. Nessa época fui convocado várias vezes. Ficava no banco, ia-me ambientando. Até que, no início da semana em que íamos jogar com o Chelsea, a Stamford Bridge, o treinador disse-me: “Prepara-te porque esta semana vais jogar.” Quando entrei… foi uma alegria muito grande. O momento mais feliz da minha vida. No fim, cumprimentei alguns jogadores que conhecia, o Terry e outros. E alguns dirigentes, o diretor da academia e o adjunto, que era o meu antigo treinador dos sub-21 – o tal que queria ficar comigo.

Mas acabou por não voltar a jogar na primeira equipa. Porquê?

Porque o Fulham estava a passar por uma fase muito difícil em termos desportivos nessa altura. Perdemos esse jogo (0-2), caímos para a zona de despromoção e nesse contexto o treinador não podia estar a pensar em promover um miúdo, tinha de pôr os jogadores mais experientes. Por isso não tive mais oportunidades para jogar. Depois em Novembro fui emprestado [ao Crewe Alexandra] para ganhar experiência. Ele dizia: “O Mesca vai para a League One, tem de ganhar jogos nas pernas”. Gostei da experiência, joguei todos os jogos, mas também foi praticamente só um mês – em Inglaterra é normal emprestar jogadores a equipas das ligas inferiores por períodos curtos de tempo.

Em 2014/15 faz a época inteira na equipa de sub-21 e no fim… vai embora. O que aconteceu?

O Martin Jol acabou por ser despedido e para o lugar dele veio o Félix Magath [ex-Bayern Munique, Schalke 04 ou Wolfsburgo, entre outros], um alemão muito rigoroso, com métodos muito rígidos, e que tinha os jogadores dele. Não contava minimamente com os jogadores da academia. E eu naquela altura, com 21 anos, só queria jogar e ganhar experiência. Foi então que falei com o Orlando Sá, que tinha jogado no Fulham em 2011/12 e que depois tinha ido para o AEL Limassol. E ele só me deu boas referências, disse-me que o AEL era o clube ideal para um jovem crescer e ganhar experiência. Por isso resolvi aceitar.

No Fulham treinou e jogou com caras bem conhecidas do futebol português: Mitroglou, Bryan Ruiz, Taarabt…

E outros grandes jogadores. Damien Duff, Dempsey, Berbatov, Diarra, que tinha jogado no Real Madrid; Moussa Dembelé, que agora está no Celtic… Ainda mantenho o contacto com alguns. Um dos diretores da academia, o roupeiro, alguns colegas…

E sobre esses craques que agora estão ou estiveram em Portugal, que pode dizer? Começando pelo Mitroglou, que não teve grande sucesso no Fulham…

O gajo é engraçado (risos)! Ele treinava várias vezes connosco nos sub-21. Era muito preguiçoso! Com a bola é muito bom, mas sem bola era muito lento, muito adormecido. E naquela altura teve várias lesões. Mas é um tipo fixe. Mas qualquer brincadeira que fizéssemos com ele ou se disséssemos qualquer coisa que ele não gostasse, irritava-se logo (risos)!

E o Bryan Ruiz? Esse já jogou mais.

Sim. Era um jogador em quem o treinador confiava muito. É um tipo discreto, não fala muito, não discute com ninguém. Não gosta de propaganda. Faz o seu trabalho e pronto.

E depois há o Taarabt…

Taarabt? Esquece (risos)! É um gajo muito fixe, mas para profissional não dá! E tem muita qualidade com a bola no pé, atenção. Mas ele gosta muito de outras coisas, de sair à noite… Às vezes chegávamos lá e ele dizia: “Hoje não vou treinar. Tenho muito dinheiro no banco, não quero saber disso!”. Não se importava minimamente com o trabalho.

O Mesca tem neste momento 24 anos. Está naquela fase em que já deixou de ser uma promessa e que tem de passar a ser uma certeza. Que objetivos tem ainda para concretizar?

O meu pensamento é esforçar-me cada dia mais para melhorar. É verdade, sei que já não tenho mais tempo para perder, mas hoje sou um jogador mais maduro, com mais responsabilidade. Sei que tenho de fazer mais golos, por exemplo. Isso é uma coisa que tenho tentado melhorar muito desde que estou aqui no AEL: finalização e último passe, também. Essas situações melhorei muito. Quando jogava em Inglaterra gostava de driblar, mas era sem consequência, era só mesmo fazer por fazer. Agora tenho mais na cabeça de tentar um futebol positivo, driblar mas com o objetivo de ir para a frente e marcar ou assistir.

E além disso? Qual o seu grande sonho? Claro que jogar na Liga dos Campeões ou na Seleção é o sonho de qualquer um, mas o que é aquilo que o deixaria realmente preenchido?

O meu sonho verdadeiro? É voltar a casa. Ou seja, Inglaterra.

Costuma falar regularmente com o seu irmão? Ele segue a sua carreira?

Sim, sim. E gosta de brincar sempre. “Ah, tu jogas no Chipre, eu sou melhor que tu (risos)!” Mas é tudo na brincadeira.

Na verdade, o estilo de ambos até é parecido!

Sim, não há muitas diferenças. Ambos temos velocidade, jogamos na linha, somos tecnicistas…

Calculo que se sinta obviamente orgulhoso quando o vê marcar golos como estes que apontou agora no Europeu de sub-21! 

Sempre. Fico muito feliz por ele, é uma pessoa que merece, luta muito para ter sucesso no futebol.

O que acha desta mudança agora para o RB Leipzig? É um clube que aposta nos jovens e vai jogar a Liga dos Campeões.

Não vou falar muito sobre isso, mas tenho fé nele. É um passo muito importante para ele.

Vê-se um dia a jogar ao lado do Bruma, seja num clube ou na Seleção nacional?

Sim, espero que um dia aconteça. Era um sonho.

Por falar em seleções: o Mesca foi internacional português em sub-17, sub-18 e sub-19. Porque deixou de ser chamado?

Foi naquela fase das lesões. E depois também tive uma discussão com o treinador, o Edgar Borges. Num torneio em França. Tudo porque eu queria usar umas meias de cores diferentes dos outros. Acho que deve ter ficado com aquela imagem: “Ah, tem a mania que é o maior porque joga no Fulham”. Mas não foi nada disso, eu não fiz aquilo com essa intenção. Discuti com ele mas pensei que aquilo ia ficar por ali, não achei que tivesse muita importância. Mas a verdade é que nunca mais fui chamado depois disso.

Nasceu na Guiné-Bissau – aliás, só veio para Portugal aos 15 anos. Ponderava jogar pela seleção guineense, se recebesse um convite?

Neste momento, a minha prioridade é concentrar-me na minha carreira. Mas se receber uma chamada para representar a Guiné-Bissau, não iria dizer que não. A seleção está a evoluir muito, já está a lutar por disputar as grandes competições, está muito renovada. Neste momento, quem me chamar primeiro dos dois, Portugal ou Guiné, é quem eu vou aceitar.

Desde a parte final da época passada que é orientado por um treinador português no AEL: Bruno Baltazar. Gosta de trabalhar com ele?

Sim, muito. Ele tem visão, conhece o futebol por dentro, também porque foi jogador. Acredito que vá chegar muito longe na carreira, porque tem muito conhecimento. É uma pessoa tranquila e dá muito valor aos treinos com bola e todos gostam dele, até porque toda a gente atualmente sabe que o treinador português é bom, está bem cotado no estrangeiro. Temos um ambiente muito bom no balneário, somos uma verdadeira família. E claro que ajuda muito ter um treinador que fale a mesma língua que nós. Ele diz-me para arriscar, dá-me essa liberdade: driblar, ir para cima dos defesas. Mas sempre de forma positiva, com o objetivo de chegar ao golo.

Que amizades guarda dos tempos que passou por Inglaterra?

Dava-me bem com o Lukaku, o Sturridge, o Moussa Dembelé, o Nathan Aké, que agora trocou o Chelsea pelo Bournemouth. Mas os meus melhores amigos eram o Kakuta, que agora está no Corunha, e o Bertrand Traoré, que jogou a final da Liga Europa pelo Ajax, contra o Manchester United, e foi agora para o Lyon. Entretanto perdemos o contacto, nunca mais falámos, mas éramos bastante amigos na altura.

E treinadores? Quais os que mais o marcaram?

O Martin Jol, claro. Acreditava muito em mim. E também gosto muito do Bruno Baltazar. Também aquele do Chelsea, o tal que queria que eu ficasse (Steve Holland), e ainda um que tivemos o ano passado aqui no AEL, o Pambos (Christodoulou). Gostava muito do sistema dele, tinha uma filosofia de jogo mesmo adequada ao meu estilo.