Venezuela. Os nervos soltaram Leopoldo

Maduro libertou parcialmente o homem mais poderoso da oposição para tentar ter paz no país. Mas o tiro ainda pode sair-lhe pela culatra.

Poucos acreditam nas palavras do Supremo Tribunal da Venezuela quando este diz que concedeu a prisão domiciliária ao mais poderoso e popular líder da oposição por motivos de saúde e como medida humanitária, como anunciou no sábado.

A prisão de López aconteceu por motivos políticos e a sua parcial libertação também, fruto de prolongadas negociações com o governo venezuelano e, acima de tudo, de nervosismo.

O oficialismo não libertou López da prisão onde viveu os últimos três anos e cinco meses por ser “magnânimo”, como argumentava este domingo o colunista Héctor Schamis no “El País”, “mas por necessidade”.

Nicolás Maduro quer acalmar as ruas, que estão há quatro meses em polvorosa, mesmo que isso implique libertar parcialmente o homem que o seu governo mais teme e que pode mais facilmente arrancá-lo do poder.

A luta continua

Este era o consenso deste domingo entre politólogos e observadores, no primeiro dia completo de Leopoldo López em casa, de onde fez saber que o seu novo modo de detenção não significa cedências ao governo – “reitero o meu compromisso de lutar até conquistar a liberdade da Venezuela”.

Se o presidente venezuelano enviou López para casa na esperança de que o líder da oposição acalme as ruas, arrisca-se a conseguir o contrário: dar mais força aos movimentos que protestam quase diariamente em várias cidades venezuelanas, a três semanas da formação de uma assembleia constituinte aparentemente destinada a preservá-lo no poder.

“É como um grande disparo de oxigénio depois destes anos todos a lutar”, contava este domingo à Reuters Angel Ybirma, de 28 anos, que, antes de se enrolar numa bandeira venezuelana e de se dirigir a casa de Leopoldo López, celebrou com a mãe por telefone assim que a notícia explodiu, no sábado de manhã.

Com ele foram centenas de pessoas para a residência do ainda prisioneiro político, de onde ele emergiu, sentado no topo do muro, muito mais musculado do que quando se entregou voluntariamente à polícia, em 2014, gritando e ouvindo gritar “sí, se puede”, num eco dos dias da esperança Obama nos Estados Unidos.

A aliança de opositores já se mobilizou à sua volta.

Desagrado

López pode muito bem regressar à prisão caso o oficialismo conclua que tomou uma decisão errada, como alertava este domingo a sua irmã, Diana, relembrando que o prisioneiro não viu ainda os seus direitos políticos restituídos e que a sua prisão é injusta e não é a única – o governo decidiu responsabilizá-lo pelas mortes nos protestos que chefiou em 2014.

“A imagem que me vem à cabeça é a de Daniel Ceballos, a quem foi concedida prisão domiciliária antes de o mandarem de volta para a prisão”, diz Diana López, recordando os 400 presos políticos contados pela oposição venezuelana.

No oficialismo há quem não esconda o desagrado pela libertação parcial. “Hoje acordámos com uma decisão que nos deixa repletos de indignação”, disse a antiga ministra das Prisões e figura destacada do Partido Socialista Unido da Venezuela, Iris Carela, dizendo, no entanto, que respeitaria a decisão do Supremo Tribunal e a separação de poderes no país.

O comentário soou a ironia. Na realidade, a decisão de libertar López foi tomada pelo governo de Nicolás Maduro, como este domingo escrevia o “El País”, segundo quem José Luís Zapatero, o ex-presidente socialista do governo espanhol, desempenhou um papel fundamental nas negociações.