Fundo de Pensões para negócio ruinoso no Brasil

90 milhões das pensões da Portugal Telecom foram perdidos no Brasil. A investigação acredita que Ricardo Salgado inspirou a operação, na qual tinha um interesse escondido.

A Portugal Telecom usou irregularmente 90 milhões de euros do seu Fundo de Pensões para se envolver, em 2010, num negócio ruinoso no Brasil.

O ‘cérebro’ do esquema terá sido Ricardo Salgado, com a ajuda do então primeiro-ministro José Sócrates.          

Esta é a conclusão para que apontam os responsáveis judiciais da Operação Marquês.

O negócio começou na venda da participação da PT numa próspera empresa brasileira de comunicações telefónicas móveis, a Vivo, e acabou na aplicação de parte dessas mais-valias na compra da Telemar/Oi, especializada numa rede de telefones fixos – uma atividade em vias de se tornar residual devido à mudança de hábitos dos utentes.

Quando se deu a troca de participações, a Oi (resultante da fusão das empresas Telemar e Brasil Telecom) era já um elefante branco com um grande buraco financeiro. O então Presidente do Brasil, Lula da Silva, empenhara-se em resolver essa situação, não só introduzindo na gestão o banco público BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, com estatuto e função idênticos aos da CGD em Portugal) mas solicitando também a intervenção da PT.

 

O segredo escondido de Salgado

A operação era de risco para todos os acionistas da PT, incluindo o GES, que detinha 10% cento da empresa.

Mas havia um segredo escondido. Antes, de forma confidencial, o grupo de Ricardo Salgado envolvera-se com a Oi – pelo que beneficiaria da entrada da PT no capital desta empresa.

Com efeito, Salgado articulara em 2009 um acordo de prestação de serviços entre a Ongoing Brasil – empresa do grupo Ongoing liderado por Nuno Vasconcellos, financiado pelo Banco Espírito Santo e visto como ‘testa-de-ferro’ de Ricardo Salgado –  e a Oi.

Para concretizar este acordo – e porque o nome Ongoing estava com excesso de exposição –, constitui-se a BRZTech, uma empresa em que foram investidos 90 milhões de euros do fundo de pensões da Portugal Telecom. Esta ficava com 15% do capital da BRZTech, mas sem poderes de intervir na gestão, enquanto a Ongoing Brasil e o GES cobriam em partes iguais o restante capital da nova sociedade.

O recurso àquela avultada verba, decidido a nível da administração da PT, com a presumível cumplicidade do diretor financeiro da empresa, Luís Pacheco de Melo (apesar da sua suposta oposição à operação), e sem passar pelo Comité de Investimentos dos Fundos de Pensões da PT, deu origem a um pequeno escândalo, com Jorge Tomé (membro do Comité e administrador não executivo da PT em representação da CGD) a demitir-se, em protesto por não ter sido ouvido.

«Considerei-me despedido do Comité de Investimentos», declarou Tomé, revelando ainda que, dois meses depois, recebeu uma proposta de ata indicando falsamente que o investimento fora ratificado pelo Comité. Além do mais – acrescentou – a expressão era tecnicamente errada, na medida em que o Comité dá parecer prévio mas não ratifica decisões da administração da gestora dos fundos de pensões da PT. «Tive de tirar as conclusões devidas», adiantou.

Até se saber das diligências da Operação Marquês, era desconhecido o destino desses 90 milhões de euros retirados do Fundo de Pensões da PT para a esfera da Ongoing.

 

BES esperava recuperar investimento

A decisão de entrada da PT no capital da Oi, que os investigadores julgam ter sido articulada entre Sócrates e Salgado, obrigou os restantes acionistas da telefónica portuguesa (à partida muito relutantes com a operação, por a julgarem pouco atrativa e até arriscada) a acompanharem o investimento. Contudo, como já tinha presença na Oi, o BES não arriscava tanto como os outros acionistas, pensando recuperar rapidamente o dinheiro investido.

A ideia era reconverter a Oi da atividade dos telefones fixos para os telemóveis, processo em que seria auxiliada pela BRZTech. A operação demoraria alguns anos. Mas a expectativa de Ricardo Salgado era que esta empresa faturasse 600 milhões de euros à Oi nos cinco anos seguintes, com a previsão de um lucro de 200 milhões.          

A verdade, porém, é que a Oi veio a revelar-se um fracasso empresarial, chegando à insolvência ao fim de pouco mais de ano e meio, com perdas para todos os acionistas da PT que nela tinham investido.

 

Todos ganharam com o negócio

Na venda da participação da PT na Vivo e entrada posterior na Oi intervieram, entre outros, José Maria Ricciardi, que terá afirmado ao Ministério Público, no âmbito da Operação Marquês, que diversas dificuldades que existiam para a concretização do negócio brasileiro só foram eliminadas após uma conversa entre o Presidente Lula e o primeiro-ministro José Sócrates. Acrescentou estar convencido de que a aquisição da Oi fora concebida e ordenada por Ricardo Salgado, dada a sua influência na administração da PT, e que as declarações públicas que Salgado fez a distanciar-se da operação não terão passado de bluff.

Os investigadores acusam ainda Ricardo Salgado de ter pago a Sócrates oito milhões de euros pelo uso da golden share a favor dos interesses do GES. Com efeito, a entrada de capital fresco na Oi, assim como a associação desta à PT, constituiu um balão de oxigénio que resolveu no imediato alguns dos complexos problemas financeiros da operadora brasileira e beneficiaria o grupo liderado por Ricardo Salgado, por via da presença que aí detinha através da Ongoing.

 

Granadeiro terá dividido dinheiro com Salgado

 

Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, à época CEO e chairman da PT, respetivamente, terão também recebido de Salgado um pagamento de luvas pelo envolvimento da operadora nacional no negócio brasileiro.

Designadamente, em 10 de janeiro de 2012 foi efetuada uma transferência de 4.852.000 francos suíços (cerca de 4,5 milhões de euros) da firma Enterprises Management Services, do grupo GES (antes designada Espírito Santo Enterprises ou ES Enterprises) para uma conta de Granadeiro no banco suíço Pictet. Mas os investigadores suspeitam que Granadeiro não terá retido toda a verba em benefício pessoal, tendo parte dela sido reencaminhada para Salgado. 

Por outro lado, foram pagas ainda ‘luvas’ ao ex-chefe da Casa Civil do Presidente Lula, José Dirceu, para mover influências junto das autoridades brasileiras com vista a facilitar a entrada da PT e do GES na Oi.

Os oito milhões de euros que a equipa da Operação Marquês julga terem sido pagos por Salgado a Sócrates pela sua ação no negócio seriam apenas parte de um ‘bolo’ de 28 milhões que o ex-primeiro-ministro terá recebido de luvas do BES/GES, por várias decisões ou intervenções governamentais em benefício do grupo pertencente à família Espírito Santo. Sobre o modo como aqueles oito milhões chegaram às mãos de Sócrates, através de um complicado percurso, ver texto nas páginas seguintes.