Três tristes tigres e ministros de papel

A saída de pelo menos três secretários de Estado de peso, somada à continuidade de ministros de papel, deixa Costa de novo refém da ‘geringonça’

A mini-remodelação governamental desta semana – ‘mini’ porque António Costa guardou para próximos capítulos a exoneração dos ministros que se mantêm em serviços mínimos até ver, Constança Urbano de Sousa e Azeredo Lopes, sem remissão depois da tragédia de Pedrógão e do escandaloso assalto de Tancos, e Caldeira Cabral, que inexiste na Economia desde a primeira hora – tem um significado bem maior do que parece.

É que, se tempos houve em que os secretários de Estado eram meros ‘ajudantes’ dos ministros, depois de Cavaco Silva e desde o Governo de António Guterres que os há com peso político, poderes e funções equiparáveis às de muitos ministros, quando não mesmo mais importantes, tanto assim que, na prática, reportam diretamente ao primeiro-ministro.

O caso mais emblemático deste Executivo é o de Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, por quem passa toda a coordenação política do Governo e deste com os seus parceiros parlamentares. Mas Fernando Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira eram também casos exemplares em que o peso da pasta e a importância da ação ia muito para além da mera condição de ‘ajudantes’.

Sendo que, por um lado, um era o artífice do encaixe de receitas do Estado por efeito da máquina fiscal por si diretamente tutelada e os outros dois, sobretudo face ao apagamento e falta de rasgo de Caldeira Cabral, eram os verdadeiros ‘agitadores’ da Economia e angariadores de investimento estrangeiro, respetivamente nas pastas da Indústria (mas com a tutela da Web Summit, por exemplo) e da Internacionalização (da qual passou a depender o AICEP).

Mas não foi apenas por via do seu contributo para as contas do Estado – cabendo-lhes boa quota do mérito deste Governo pelo cumprimento das metas definidas pela Troika – que estes três governantes se destacaram.

Rocha Andrade, Vasconcelos e Oliveira faziam parte do núcleo político mais restrito de António Costa desde há muito tempo. Eram mesmo cimentadores de dois dos pilares do projeto político geracional do líder socialista.

Dois oriundos da JS e da direção em que Costa se apoiou internamente para dominar o aparelho partidário, encabeçada por Sérgio Sousa Pinto. O terceiro de uma coisa chamada ‘Projeto T’, que vem dos tempos em que António Costa estudava ainda na Faculdade de Direito de Lisboa, no início dos anos 80 do século XX.

Antes de ser sampaísta, já Costa – militante do PS desde os 14 anos de idade – encabeçava as lutas políticas estudantis do partido, com um grupo restrito de ‘jovens turcos’ subscritores de um projeto de esquerda, com mais proximidade ao PCP do que ao PPD, e que nunca se converteram ao soarismo social-democratizante, nem à terceira via guterrista e muito menos ao pró-liberalismo socrático.

Grupo que incluía, por exemplo, o atual ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, o agora ex-secretário de Estado Jorge Costa Oliveira, ou o antigo chefe de gabinete e inseparável de Costa até ao seu desaparecimento súbito e precoce Armando Rafael.

Esse era o grupo que concorreu à Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa, no início dos anos 80 do século passado. Nele se incluía também o ainda secretário de Estado José Apolinário (que foi líder da Associação de Estudantes da FDL), Vitalino Canas ou Carolina Ferra (aquele secretário de Estado no tempo de Guterres e Sócrates, esta secretária de Estado da Administração e do Emprego Público até ontem, porque também ela foi substituída).

Mais novos, Rocha Andrade e Vasconcelos não pertenciam a este grupo, mas destacaram-se noutro dos pilares do edificado em que Costa assenta o controlo do aparelho socialista: a antiga direção da JS do tempo de Sérgio Sousa Pinto – um apoiante de Costa confundido com o ‘soarismo’ pela empatia que criou com Mário Soares nos voos entre Bruxelas e Lisboa nos tempos em que o Velho Leão assumiu as funções de eurodeputado e foi à gaveta recuperar o ideário socialista.

Ana Catarina Mendes, que ascendeu a secretária-geral adjunta do PS, e Marcos Perestrelo (secretário de Estado da Defesa) são outros destacados colaboradores de Costa com a mesma origem. Tal como Jamila Madeira, a algarvia ex-segurista a quem foi confiada intervenção no debate do Estado da Nação desta quarta-feira.

Como nas últimas legislativas, Costa tem uma história de derrotas internas por poucochinho em que esses sempre foram os seus apoiantes e fieis companheiros.

É por isso que, aqui chegados, a remodelação de secretários de Estado que agora se consumou tem mais importância do que possa parecer – até pela surpreendente saída também de Margarida Marques, muito próxima de Costa desde jovem.

Por causa de um caso ridículo como as viagens a França para assistir ao jogos da seleção nacional que se sagrou pela primeira vez campeã da Europa – que, se coloca questões de ética, não deixa de ser quase anedótico qualificar como crime
(mas dura lex, sed lex e quem a fez foram os senhores deputados) –, Costa não perdeu apenas três dos mais ativos e concretizadores membros do seu Governo. Rompeu, sim, com dois pilares em que sempre assentou o seu apoio político partidário e, bem assim, o seu projeto geracional.

Se Costa seguiu a tradição de entregar os assuntos sociais a lídimos representantes da ala esquerda do PS – nomeadamente Vieira da Silva –, seguindo o exemplo de Sócrates, entregou as pastas das finanças e económicas a moderados mais próximos da social-democracia e do empreendedorismo – e Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira eram aí nucleares. Porque com perfis executivos e capacidade negocial e criativa que deram resultados, com reconhecimento da esquerda à direita.

A saída destes três secretários de Estado, ainda por cima somada à manutenção dos três ministros de papel, é um claro sinal dos novos tempos deste Governo.

Que fica, e está, muito mais vulnerável. E não só pelos dramáticos acontecimentos de Pedrógão Grande ou pelo escandaloso assalto aos paióis de Tancos.

Costa liderava em Maio um Governo já não dependente dos parceiros de apoio parlamentar – então reféns do acordo firmado com o PS. Mas, como aliás bem resultou do debate do Estado da Nação, voltou a estar totalmente dependente deles.

Ou seja, a ‘geringonça’ voltou.