Saudades da Europa

Desaparecidos Veil e Kohl, resta uma referência incontornável no escol dos grandes construtores da Europa: Jacques Delors, com os seus 92 anos. Quando deixou a presidência da Comissão Europeia, em Janeiro de 95, o mundo deu-se conta de que, com ele, saía de cena uma geração de dirigentes prestigiados, sem sucessores à altura.

De onde vêm as saudades que sinto de uma Europa integrada, coesa e solidária? Onde está a comunidade económica orientada para a paz, o desenvolvimento e o progresso? Onde param os ideais que estão plasmados no Tratado de Roma? Que resta dos esforços feitos para unir países historicamente desavindos? As perguntas saltaram quando li as notícias das mortes de Helmut Kohl e de Simone Veil, dois políticos que se bateram galhardamente para erigir uma Europa forte e respeitada.

Eram crianças quando começou a Segunda Grande Guerra, e Simone Veil conheceu, mesmo, os horrores do campo de concentração. Ambos viveram os tempos da destruição e da morte, testemunharam a vitória dos Aliados, participaram na reconstrução da Europa e na consolidação da União Europeia. Simone Veil foi a primeira mulher presidente do Parlamento Europeu, e Helmut Kohl o arquiteto da reunificação alemã, após o derrube do Muro de Berlim.

A coincidência das duas mortes tem uma carga simbólica que não pode ser descartada. Para muitos, é um ‘dobre a finados’ de uma Comunidade que começou com 6, passou a 9, depois a 10, depois a 12… e já vai em 28, embora o aumento do número de membros não tenha tido correspondência no reforço da União.

Desaparecidos Veil e Kohl, resta uma referência incontornável no escol dos grandes construtores da Europa: Jacques Delors, com os seus 92 anos. Quando deixou a presidência da Comissão Europeia, em Janeiro de 95, o mundo deu-se conta de que, com ele, saía de cena uma geração de dirigentes prestigiados, sem sucessores à altura.

Uma estranha lógica de equilíbrio de influências entre os países dominantes faz com que no palco não estejam os melhores, e que, na atualidade, a ‘boca de cena’ seja ocupada pelos mais submissos. Às vezes, por arrivistas, que fazem contas ao que a notoriedade vai render, no momento em que passem a cadeira à marioneta seguinte. O tempo está a confirmar os piores temores. Sem rota traçada, estes funcionários de segunda linha estão a subscrever decisões avulsas e a reboque das ‘notícias do dia’.

Passou um quarto de século sobre a assinatura do Tratado de Maastricht, que transformou a CEE na União Europeia, mas a Europa não está mais unida. Falta-lhe uma política e um rumo, em que se identifiquem passos firmes em direção a objetivos partilhados por todos.

O drama dos refugiados é o exemplo mais recente de uma atuação errática.  Mas, no rol das desgraças, poderia também apontar-se a ausência de políticas de defesa, e de segurança interna, ou a desastrada gestão do euro. O que está à frente dos nossos olhos é a vergonhosa descoordenação que grassa na União, a deixar campo livre para demagogos e aventureiros, vindos da extrema-direita e da extrema-esquerda, em partes iguais.

Não foi esta a Europa com que os portugueses sonharam quando, no dia 12 de Junho de 1985, assistiram à cerimónia de assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE. A liderar a comitiva estava Mário Soares, o mais convicto dos europeístas portugueses, cujo nome cabe, por direito próprio, na galeria de honra onde estão os de Veil, Kohl, Delors e Mitterrand.