Hoje é a Galp com os secretários de Estado que trocaram a consciência por um bilhete para ver a bola, amanhã é outra coisa qualquer, mas é um bom motivo para falar de como as pessoas se vendem. É que não são caso único.
Dou o exemplo da Câmara de Lisboa. Numa câmara tão grande como a de Lisboa, com um orçamento a rondar os 776 milhões de euros, há muito dinheiro para muita coisa e para muita gente.
Desde logo, há os pelouros e vereadores que atribuem verbas a atividades que quase não têm receitas próprias, nem patrocinadores: à cabeça, as atividades culturais, desportivas, recreativas e sociais. Estas entidades e agrupamentos vivem quase exclusivamente do erário público, do Orçamento do Estado, mas sobretudo do orçamento da CML.
Os vereadores com estes pelouros têm como missão distribuir as verbas existentes no orçamento. Todavia, não o fazem com uma política pública subjacente, nem com vista a atingir algum resultado em especial. Pelo contrário, querem dar o mínimo possível a cada entidade para atingirem o máximo possível de entidades, por forma a garantirem o maior número possível de fidelidades. Em vez de termos um grupo de teatro bom, temos dez maus e assim sucessivamente.
Não esperem ver nenhuma agremiação cultural, desportiva, recreativa ou social criticar a poderosa CML. São milhares de famílias dependentes da Câmara/patrão.
Depois, temos aqueles pelouros que fazem os grandes negócios imobiliários, nomeadamente o urbanismo, um pelouro que, como um fundo imobiliário, compra e vende às centenas de milhões na cidade. Como há muita gente disposta a vender e outros tantos dispostos a comprar, não esperem ver críticas brotar deste lado.
O mesmo sucede na rentabilização de espaços da CML. A Câmara é dona do Caleidoscópio (ao Campo Grande, junto à Universidade), assim como é dona do BBC e do Piazza Di Mare (em Belém, junto ao Tejo). No primeiro está um McDonald´s, nos segundos a nova coqueluche da cidade, uns estabelecimentos do grupo Sana. Como é que isso aconteceu? Não houve concursos para exploração, pois não? E não há na cidade mais ninguém a querer explorar esses espaços da CML? E os que queriam por que estão calados? Medo de retaliações?
Depois, há a arraia-miúda, gente que só quer um bilhete para a Websummit, para o Rock in Rio ou para a Moda Lisboa.
Toda esta gente se cala a troco de uma vantagem económica. Podem ser uns milhões na venda de um terreno ou na alteração de um PDM, ou uns tostões num bilhete para entrar num festival.
É desta forma que se compra a consciência de muitos, conseguindo-se a cumplicidade e o silêncio de uma cidade, dos jornais, das elites culturais, artísticas e económicas, e do jet-set.
Esta é a atitude dominante, só o preço é que muda.
sofiarocha@sol.pt