Idílio comprometido

Terminou a ‘lua-de-mel’ entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. As fragilidades do ‘estado da Nação’, que o primeiro-ministro ainda tentou camuflar no debate parlamentar, são suficientemente reveladoras. A ‘cortina de fumo’ da exoneração dos secretários de Estado não bastou. A mini-remodelação tão-pouco.  Podem os media amigos ‘esquecer-se’ de encomendar sondagens, para pouparem o…

Terminou a ‘lua-de-mel’ entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. As fragilidades do ‘estado da Nação’, que o primeiro-ministro ainda tentou camuflar no debate parlamentar, são suficientemente reveladoras. A ‘cortina de fumo’ da exoneração dos secretários de Estado não bastou. A mini-remodelação tão-pouco. 

Podem os media amigos ‘esquecer-se’ de encomendar sondagens, para pouparem o Governo às perplexidades da opinião pública após a tragédia de Pedrógão Grande, do roubo de Tancos ou da ‘balda’ nos exames nacionais do Secundário.

Podem os inquéritos e os relatórios anularem-se e contradizerem-se, na esperança de que a incompetência e o compadrio saiam incólumes. 

Podem os ministros – com a Bloco e o PCP à trela – pastorear as almas, escamoteando as ‘cativações’ feitas a eito para exibirem na lapela o «défice mais baixo da democracia». 

Podem os ‘comentadores’ avençados desvalorizar a sucessão de irresponsabilidades no Governo.

O mal está feito. E o primeiro-ministro, ao voltar costas ao país traumatizado por Pedrógão Grande e Tancos, legitimou dúvidas insanáveis, até entre as suas hostes.

Marcelo Rebelo de Sousa não tardou a perceber isso mesmo. A edição do Expresso em papel foi fértil em ‘recados’ de Belém, incluindo uma minuciosa ‘narrativa’ da reunião do Presidente com os seus colaboradores, supostamente à porta fechada. 

Mas o jornal ‘soube’ que Marcelo achou, por exemplo, que a crise de Pedrógão pode «alargar o poder do Presidente», que a gestão política do Governo foi má «talvez por cansaço, sobranceria e falta de oposição», e que o que se passou «pode alterar a situação política», enfatizando: «Não acho crível que não tenha efeitos».

É por demais evidente que o gabinete de Marcelo ‘plantou’ naquele semanário o que lhe convinha sobre o seu estado de alma, depois de observar no terreno as sequelas devastadoras dos fogos e a degradação das instalações militares assaltadas.

Resta saber como tenciona o Presidente ‘gerir’ um Governo em constante fuga, sempre que há um problema sério.

Podem os ‘cortesãos’ de António Costa incensar o «hábil negociador» e pode Augusto Santos Silva vir em seu socorro, garantindo, sem se rir, que «todos os membros deste Governo são excelentes ministros. Sem exceção».

O diplomata já nos tinha surpreendido, em finais do ano passado, ao comparar a concertação social a uma «feira de gado». Voltou às infelicidades. 

Embora contrariado, é de presumir que Marcelo já tenha concluído que falta lastro ao Governo para cumprir a legislatura. 

Com a popularidade em alta e a esquerda na mão, a coligação parlamentar poupava-o às maçadas – que Passos Coelho aturou – das arruaças na praça pública. 

Bastava-lhe ‘dar corda’ ao «otimismo irritante» de António Costa e ser omnipresente nos telejornais.

Mas Pedrógão Grande e Tancos mudaram radicalmente a leitura política de Belém. 

Primeiro, porque Marcelo-cidadão já provou não ser indiferente ao sofrimento humano. Por maioria de razão, enquanto Presidente – com visitas repetidas à região mártir dos incêndios – sabe que a sua aproximação ao drama de tanta gente não poderá ser iludida pelo deplorável ‘jogo do empurra’ a que assistimos. 

Depois, porque Marcelo é rápido a pensar e a agir. Às vezes, é rápido demais. Mas, a julgar pela sua leitura dos acontecimentos ‘filtrada’ para os media, não será arriscado deduzir que está dececionado com a ‘migração’ de Costa nas ‘horas de aperto’. 

Sobeja um óbice. A oposição precisa de mostrar o que vale e estar à altura de se constituir como alternativa a um Governo desorientado. 

Com a ‘lua-de-mel’ estragada, o Presidente já fez saber que, ao substituir-se ao primeiro-ministro, foi «até ao limite dos seus poderes». O ‘silêncio ensurdecedor’ dos confrades da ‘geringonça’ disse tudo. 

Finalmente, viu-se o primeiro-ministro «tranquilo» ao recolher «garantias» de que, «com grande probabilidade», o roubo de Tancos «não teria qualquer impacto no risco da segurança interna». 

Se descontarmos a árvore atingida por um raio de trovoada seca, descoberta pelo diretor nacional da Judiciária, a revelação do CEMGFA (chefe do Estado-Maior das Forças Armadas) de que o material de guerra roubado estava destinado à sucata… é de ‘cabo de esquadra’! 

Afinal – e para nosso sossego -, Tancos não passou, segundo esta versão, de uma espécie de ‘isco’ para ‘amadores’, a quem o Tesouro deverá agradecer a poupança no transporte das armas para o lixo… 

Depois de tal trouvaille, não se percebe como continuam em funções, desautorizados, o ministro da Defesa e o chefe do Estado Maior do Exército, que classificaram o roubo como grave. 

Ao que chegou a Nação. O primeiro-ministro e algumas chefias militares bem precisam de férias…