Helô Pinheiro. A Garota de Ipanema ia comprar cigarros…

O doce balanço a caminho do mar entrou para a lenda rodeado de histórias mais ou menos verdadeiras, mais ou menos inventadas 

Vinicius de Moraes contava:

– Quando ela passava na frente do bar, tomávamos um aperitivo. Todos os copos já estavam vazios. Nós a acompanhávamos até ao mar… 

Pois. “Olha que coisa mais linda…”

O bar era o Veloso. 

1962. Era o hino da bossa nova.

Primeiro chamou-se “Menina que Passa”.

Ficou “Garota de Ipanema”. Tal como o bar Veloso.

Vinicius e Tom Jobim olhavam juntos o requebro da garota a caminho do mar.

“Mais cheia de graça…”

Foi em agosto. Não tarda fará 55 anos.

Boate Bon Gourmet, em Copacabana. 

Tom ao piano. João Gilberto no violão.

O diálogo ficou gravado assim:

João – Tom, e se você fizesse agora uma canção/ Que possa nos dizer/ Contar o que é o amor?

Tom – Olha, Joãozinho, eu não saberia/ Sem Vinicius para fazer poesia…

Vinicius – Para essa canção se realizar/ Quem dera o João para cantar…

João – Ah, mas quem sou eu? Eu sou mais vocês/ Melhor se nós cantássemos os três.

Juntos – Olha que coisa mais linda…

Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto.

Diria um bom carioca: “Baita de nome metido a besta!”

Eneida é de estalo, convenhamos.

Tinha um diminutivo: Helô! Com ponto de exclamação.

Vinicius: “Há três anos, ela passava, ali no cruzamento de Montenegro e Prudente de Morais, em demanda da praia, e nós a achávamos demais. Do nosso posto de observação, no Veloso, enxugando a nossa cervejinha, Tom e eu emudecíamos à sua vinda maravilhosa.”

Este texto foi escrito em 1965. Nessa altura, Helô tinha 20 anos.

Hoje tem 72. Quatro filhos. Pousada na vida de empresária. Dizem que ainda tem um doce balanço.

A mãe tinha sangue português, dos Gonçalos Menezes. O pai tinha o sangue avelhacado de ser censor do regime militar: general Juarez Paz Pinto. Pobre cacofonia.

Todas as lendas tendem para o exagero e a lenda da Garota de Ipanema não foge à tradição.

Não, Tom e Vinicius não escreveram a canção no meio dos copos de chope numa das mesas do Veloso. E não, ela não surgiu assim, subitânea, da imaginação infinita dos dois.

Começou por ser: “Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/ Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/ Com medo de amar/ Quando na tarde vazia/ Tão linda no espaço/ Eu vi a menina/ Que vinha num passo/ Cheio de balanço/ Caminho do mar”.

Tom chegou a confessar que a primeira vez que viram a Garota de Ipanema, ela não ia a caminho do mar, mas apenas a um quiosque para comprar cigarros para o pai.

Ou, se calhar, Tom quis dar mais lenda à lenda.

Vinicius, o poeta, poetizou: “O ar ficava mais volátil, como para facilitar-lhe o divino balanço do andar. E lá ia ela, toda linda, a garota de Ipanema, desenvolvendo no percurso a geometria espacial do seu balanceio quase samba e cuja fórmula teria escapado ao próprio Einstein.”

Depois perceberam que a beleza não era só deles, nem mesmo só de Helô Pinheiro.

Era do mundo.

Esse mundo, afinal, que fica mais lindo por causa do amor…