Uma ilha, uma base militar e um Governo de férias

Desde 1945 que a Força Aérea norte-americana mantém uma presença na Base das Lajes na ilha Terceira. Pelo longo percurso histórico de convivência entre Portugal e os Estados Unidos, foram-se criando laços de amizade entre os terceirenses e os norte-americanos, mas principalmente foi-se estabelecendo na ilha Terceira uma economia de dependência da Base. Com o…

Desde 1945 que a Força Aérea norte-americana mantém uma presença na Base das Lajes na ilha Terceira. Pelo longo percurso histórico de convivência entre Portugal e os Estados Unidos, foram-se criando laços de amizade entre os terceirenses e os norte-americanos, mas principalmente foi-se estabelecendo na ilha Terceira uma economia de dependência da Base.

Com o tempo, fomos assistindo à redução dos efetivos militares yankees, e hoje o contingente é insignificante quando comparado com os cerca de três mil militares e familiares que lá viviam.

O interesse dos EUA nos Açores centra-se na geocentralidade atlântica da ilha Terceira, que sempre foi um fator diferenciador e motivador da ‘política geográfica’ global. Efetivamente, estamos referenciados no mapa-mundo por grandes potências, blocos ou grupos de países como fazendo parte de uma atual ou futura estratégia em várias dimensões – humanitária, científica, económica, ambiental, segurança e vigilância do Atlântico.

Desta constatação de centralidade geográfica nasceu o Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, nos planos técnico e laboral. Um acordo que materializa as vantagens do papel estratégico que os Açores desempenham no quadro transatlântico, afirmando Portugal e projetando os Estados Unidos no mundo.

Os Açores configuram, assim, um relevante e insubstituível epicentro na geopolítica internacional.

Com a atualidade ambiental em cima da mesa e com a necessidade de se encontrarem usos complementares para a Base, reúne-se periodicamente uma Comissão Bilateral Permanente EUA-Portugal.

E aqui começa a triste história de um Governo que tem manifestado um assustador desinteresse pelas negociações com os EUA. Desde logo, desleixa a problemática da contaminação dos solos e aquíferos da ilha Terceira e vai anunciando alternativas económicas para o uso da Base; mas ainda não passou dos anúncios. Ou seja, faz de conta que vai encontrando soluções, nada que não estejamos habituados nesta governação.

Temos assistido a um completo alheamento do Governo, numa matéria que é, acima de tudo, uma responsabilidade do Estado Português.

No âmbito parlamentar e em várias audições fomos surpreendidos pela arrepiante ignorância dos ministros.

Primeiro, foi o ministro dos Negócios Estrangeiros a dizer que os montantes a exigir ao Governo norte-americano para a descontaminação «valiam zero», depois foi o ministro da Defesa a não saber das análises que se realizam e, pasme-se, foi o próprio ministro do Ambiente a atirar as responsabilidades para os Açores! 

Por isso, temos razões para desconfiar. 

Repare-se que o Governo falhou na última reunião bilateral da Base das Lajes, já apelidada de ‘bilateral da desilusão’. E falhou, porque não fez o seu trabalho de casa, principalmente no que diz respeito à descontaminação dos solos e aquíferos da ilha Terceira. Nesta temática, o Executivo está permanentemente de férias, que se prolongam quando as notícias não são de feição.

Para fazer face às consequências económicas e sociais foi elaborado pelo Governo Regional dos Açores um Programa de Revitalização Económica da Ilha Terceira (PREIT), que não é mais do que um agrafar de promessas não cumpridas durante os últimos dez anos e, claramente, a assunção da culpa do Governo Regional no incumprimento para a ilha Terceira.

Este plano apresenta três níveis de responsabilidade política, sendo que a fatia da República supera os 300 milhões de euros – e o PS, em campanha eleitoral, fez juras que o ia cumprir. Mas no Orçamento de 2016 nem um cêntimo estava previsto, e em 2017 o OE comporta o artigo 141.º que menciona: «O Governo executa o Plano de Revitalização Económica da Ilha Terceira», mas sem dinheiro.

A urgência que se coloca, neste momento, tem a ver com a existência de verbas para uma abrangente e consciente descontaminação. Não conseguindo o Governo obter os montantes financeiros do Governo dos EUA, ou não querendo utilizar o acordo NATO-SOFA, terá de comportar estas verbas no Orçamento do Estado para 2018.

A contaminação não espera novas negociações. Ela é real e tem efeitos negativos para a saúde humana e para o ambiente – e o Governo foi e está a ser politicamente negligente e irresponsável no processo.