Filas, esperas e apertos. Assim andam os transportes em Lisboa

Metros cheios de gente, autocarros que não passam e filas de mais de uma hora para apanhar um elétrico. O i passou um dia a aproveitar os transportes da cidade e acabou com vontade de comprar uma scooter

Eu, utilizadora de transportes públicos, me confesso. Enquanto pessoa que stressa com trânsito e se recusa a pagar estacionamentos a preços abusivos, é ver-me diariamente a saltar entre metro e autocarro e, num dia de cariz mais turístico, até me arrisco num elétrico. Afinal, não há melhor que as viagens matinais e de fim de tarde para ir escoando as leituras que estão pendentes e de saber como correu a operação ao joelho da senhora do 718.

Mas esta relação pacífica teve um corte brusco este domingo. Com anos de Lisboa em cima, habituei-me a ser tolerante com ligeiros atrasos, com autocarros que já vêm cheios ou com ares condicionados trocados por janelas abertas em dias de 40 graus. Mas estar mais de uma hora à espera de um autocarro que não chegou foi o ponto de rutura.

Quando cheguei à Praça do Chile, o relógio marcava meio-dia. Sem saber de cor os horários, recorro à informação afixada na paragem. Percebo que perdi um por dois minutos mas que os próximos passariam às 12h12 e às 12h37. Tranquilo, pensava eu. Mas a verdade é que eram 12h45 e eu ainda estava na Praça do Chile.

Quando finalmente chega o autocarro, questiono o motorista sobre o atraso, que me responde com um “o de sempre”. Percebo, depois de uma breve troca de palavras, que “o de sempre” é um verão com motoristas de férias e que, por isso, deixam de ser suficientes para cumprir os horários fixados.

Para não nos ficarmos pelo diz que disse, confrontamos a Carris, que responde, por email, que a empresa “não faz supressões tão longas como as referidas” e que “as situações de incumprimento mais severas ocorrem devido a interrupções do trânsito em geral ou devido a avarias ou acidentes com as viaturas”. E se é assim, decidimos dar uma segunda hipótese aos transportes públicos de Lisboa, com um teste de um dia inteiro a saltitar entre metro, autocarro e elétrico.

O périplo

Deixamos passar a hora de ponta para nos lançarmos no metro. Às 11h35 chegamos à plataforma do Saldanha e o placard aponta para seis minutos de espera. Tudo bem.

Mas, às 11h42, o tempo de espera passa para nove minutos e o pior é que o depósito de jornais gratuitos, estrategicamente colocados para ajudar a passar estes tempos mortos, já estão vazios. Podíamos tentar a internet, mas é sempre um golpe de sorte e, desta vez, ela não está do nosso lado. “Não é possível estabelecer ligação” é a mensagem que aparece no ecrã. Está dado o mote para a segunda melhor opção numa hora de tédio: ouvir conversas alheias, há lá passatempo melhor? O que é certo é que funcionou e, sem dar pelo tempo passar, chegamos ao Campo Grande.

Como era um bate-volta, decidimos apenas mudar a paisagem e, por isso, optamos pelo regresso de autocarro. Segundo os papéis afixados na paragem, o horário “dias úteis verão”, que dura até 28 de Julho, perdemos o 736 por três minutos e o próximo é às 13h14.

Mas tendo em conta a recente experiência que nos diz que o papel vale pouco nestas situações, confirmamos com uma sms enviada para o número 3599, que responde com a lista de autocarros que ali passam, com os respetivos horários. Surpresa: faltam 59 minutos para o próximo 736. A Carris, explica que “devido à escassez de pessoal tripulante”, por vezes, existem “situações em que são suprimidas algumas circulações.” O que vale é que o metro do Campo Grande é já ali e à porta ainda se pode optar pelo Borda d’Água ou a Lotaria Clássica. Além disso, a Carris acredita que com a admissão de 50 novos motoristas e guarda freios, que se vêm juntar aos 1550 no ativo, “estas situações terão tendência a diminuir”.

Turismo

Depois de almoço decidimos rumar à outra ponta da cidade e também a mais turística. Numa “Baixa-Chiado” às 15 horas, a plataforma é multicultural.

São os turistas que enchem os transportes na hora em que os lisboetas estão a trabalhar ou a ser, eles mesmos, turistas. E distraídos com mapas, selfies e sacos de compras, é vê-los a correr atrás de um metro que circula apenas com três carruagens.

Nos painéis luminosos, além do aviso sobre um metro com menos carruagens, volta e meia alerta-se para os “pickpockets” prontos a aproveitar-se de distrações. Mas nem só de roubos declarados se faz crime nos transportes públicos. Dos que entram sem pagar há os que colam à pessoa da frente no metro, os que se fingem ocupados para tirar o passe no autocarro ou então aqueles que, do hábito, o fazem com tal descontração que quase que não parece ilícito. Mas é, e a multa para quem não paga bilhete será sempre igual a 100 a 150 vezes o valor do bilhete para a viagem em questão.

O 28

E por fim o elétrico. Ah, o elétrico. Aquele que apanhávamos sempre que queríamos ir jantar a casa dos amigos que viviam na Graça ou que usávamos para mostrar a parte mais típica da cidade a quem estava de visita.

Agora, apanhar um elétrico quase podia fazer parte da lista de atividades radicais a praticar em Lisboa. Material necessário: calçado confortável para aguentar as horas de pé, protetor solar para evitar escaldões em peles pouco habituadas ao sol da capital e um bom livro. Pela fila que está à nossa frente, é capaz de dar para toda uma trilogia Millenium.

São 16 horas e à nossa frente estão 152 pessoas (sim, demo-nos ao trabalho de contar). Há quem faça turnos e se vá revezando entre o lugar em pé na fila e os lugares sentados da padaria portuguesa do Martim Moniz. Há também aqueles que, com pouca paciência para esperar, se deixam levar pelos TukTuks estacionados de forma inteligente junto à paragem. Ir ao Castelo neste veículo, que tem tanto de famoso como de polémico, custa 5 euros por pessoa, uma oferta tentadora tendo em conta os 2,90 de bilhete de elétrico.

Mas somos resistentes e decidimos esperar pela nossa vez. Uma hora e vinte minutos de espera, para sermos mais precisos. Tempo mais que suficiente para perceber que a fila se faz grande pela exigência de se aproveitar uma viagem sentado. “Querem ir de pé?”, pergunta a funcionária da Carris, assim que nos ouve falar português. Perante o nosso ar de ‘vou ser morta se passar à frente de 150 pessoas’, ela explica: “Eles [os turistas] querem ir sentados, quem quiser ir de pé pode passar à frente”.

Se é para ir a pé, voltamos ao bom e velho metro que, com o aproximar da hora de ponta, já não é assim tão bom e, segundo o cartaz que anuncia obras na estação de Arroios, também já não será assim tão velho. É certo que os trabalhos vão permitir que a linha Verde circule com seis carruagens – em vez das atuais três – e que a estação se vai tornar mais moderna e funcional. Mas há outra coisa que é certa: a próxima vez que vou poder sair na estação mais próxima de casa será em Janeiro de 2019.