Ricardinho. “Sonho em regressar ao Benfica e a apresentação ser no estádio da Luz”

Quando entra em campo o ritmo do jogo muda. Finta com influência e quando o remate sai é quase certo que as mãos dos adversários vão acabar na cabeça. Do Gramidense a titular indiscutível no Benfica, tornou-se no Melhor Jogador de futsal do Mundo. Tetracampeão no Inter Movistar, foi do pé de Ricardo Filipe da…

Marcou o golo que deu o tetracampeonato ao Inter Movistar, a pouco mais de três minutos do fim do encontro e num momento em que o Barcelona até estava por cima. Tem um sabor especial marcar golos que têm um caráter decisivo? O Ferrão ainda deve estar a chorar depois daquele túnel…

O golo foi muito importante e decisivo, mas todo o trabalho da equipa é e foi importante. Naturalmente, há golos que têm um sabor especial por serem decisivos e lembrados para sempre como o “golo do título”, mas não devemos esquecer todo o trabalho de equipa que se faz ao longo da época. Aproveitei o facto de o Ferrão não ser um defensor exímio. Correu bem e saímos novamente vencedores!

Apesar disso, no final do encontro chorou e disse: “As pessoas pensam que o Ricardinho tem de resolver todos os problemas. Esquecem-se que isto é um desporto coletivo. Não sabem quantos minutos joguei por jogo, mais de trinta, lesionado, com dores, sem parar, mas pensam que somos máquinas”. Qual é a parte má de se ter a responsabilidade de levar uma equipa às costas?

Não existe parte má, é sempre bom ter o foco em cima de nós, mas não vamos só pensar no individual, pois este desporto é colectivo. No entanto, a comunicação social espera sempre que aqueles que são considerados os melhores do mundo resolvam. Esquecem-se de avaliar toda a temporada, só veem o jogo final. E não pode ser assim. Joguei a final a 50% das minhas capacidades por estar tocado no joelho direito. Mesmo assim, joguei acima dos 28 minutos, e ajudei a equipa como pude. Parece que a minha estrela brilhou e me brindou pelo esforço. Lutei toda a vida para ter o foco em mim, por ser o melhor, jamais iria ficar com pressão em cima por ter esse foco.

A verdade é que desde que aterrou em Espanha, o Inter Movistar quebrou a hegemonia do Barcelona. O InterMovistar já não ganhava um título há 5 anos. Desde que o Ricardinho vestiu a camisola de ‘La Máquina Verde’ já arrecadaram a Super Taça, Taça do Rei, Taça de Espanha e a UEFA Futsal CUP, além do tetracampeonato… Afinal, qual é o seu segredo?

Sem dúvida alguma que foi chegar, ver e vencer, mas o clube fez um esforço para construir um grande plantel e, como tal, o trabalho e mérito é de todos. Eu sou somente o rosto de um projeto ganhador, que luta todos os dias por vencer. Nos últimos 7 anos, fui sempre campeão nacional, o que significa que estou a fazer bem as coisas e a escolher bem os clubes onde jogo. O segredo é acreditar num projeto, acreditar em cada companheiro, ajudar a equipa em cada treino, em cada jogo, jogando da forma que a equipa necessitar, e no final todos triunfarmos. Sou muito exigente comigo e com os outros, e penso que isso faz com que todos melhoremos cada dia as nossas capacidades e sejamos capazes de vencer juntos.

Foi eleito o melhor jogador do mundo por quatro vezes [2010, 2014, 2015 e 2016]. Do melhor jogador do mundo espera-se sempre alguma coisa diferente. Lida bem com essa pressão?

Pressão é não ter comida e condições para dar aos nossos filhos. Dediquei-me mil por cento a esta modalidade, amo este desporto, treino todos os dias com um sorriso na cara, sou um abençoado por ter a força mental e física para o poder potenciar junto dos meus companheiros e treinadores. Isto é, sem dúvida alguma, ser um abençoado por todos os finais de semana ser visto e admirado por tanta gente e poder fazê-los feliz e sentir-me feliz no final de cada jogo. 

Sendo adepto do Benfica a goleada [0-7] do InterMovistar sobre o Sporting na final da Taça UEFA dá outro gozo?

Eu sou do Benfica, não sou contra o Sporting. Quero vencer seja contra quem for, dou sempre o máximo pela camisola que tenho vestida. Foi uma UEFA maravilhosa! Conquistei muita coisa individualmente e colectivamente fomos campeões, com um resultado histórico numa final da UEFA. A única situação lamentável foi ter sido ameaçado no hotel por adeptos do Sporting, horas antes da final, para tentarem intimidar-me. É lamentável, mas todos cometemos erros, como eu já cometi anteriormente e pedi desculpa, não dei grande importância! Como sempre disse, não sou contra nenhum clube, sou apenas adepto de um clube como muitos seres humanos.

Ainda na Taça UEFA, e analisando as estatísticas, o Ricardinho segue na liderança em todas as frentes (golos marcados, assistências, remates à baliza, tendo sido por várias vezes eleito o melhor jogador em campo). Além do talento, é muito exigente consigo próprio?

Sou muito exigente comigo em todos os sentidos. Na preparação do treino, no treino, após treino e na preparação para o jogo. Por isso, tento cada ano que passa ser o melhor em tudo, porque sei, que sendo o melhor, estou mais próximo de ajudar a minha equipa em todos os sentidos, a ganhar, a crescer, e a fazer história, mas como sempre digo, sozinho não se ganha títulos. Quero continuar a ser uma referência nesta modalidade e a contribuir para a história da mesma.

Concorda com o novo formato da Taça UEFA de Futsal?

Ainda não conheço bem o novo formato, mas parece-me bem mais competitivo, e um nome muito mais atrativo. 

De onde é que surgem as suas fintas? É o Ricardinho que as inventa? Aliás, passa muito tempo a pensar em novas formas de fintar o adversário?

Em cada Liga que passei e passo, analiso todos os adversários. Os que me marcam individualmente e os que me marcam à zona, pernas fortes e menos fortes, pontos fracos e fortes. Muitos deles já não tenho a mesma necessidade de analisar, pois já os conheço bem, devido a jogos de seleção ou por estar há 4 anos a jogar contra eles. Quanto às contas, vejo muitos vídeos, freestylers, hóquei em patins, basket, andebol, e tento fazer com os pés… muitas vezes saem bem, outras nem por isso, mas o importante é tentar, é ser criativo e mostrar às pessoas algo diferente.

Quando entra em campo o ritmo e a disposição da equipa alteram-se, é um facto. No entanto, algumas pessoas também se perguntam quando é que a idade poderá começar a prejudicar e a não permitir que continue a ser o jogador influente e impressionante que é. Sente o peso dos seus quase 32 anos? Já definiu o momento em que irá deixar de jogar? 

Creio que isso nunca se deve definir. O corpo te dirá quando já não está apto para ajudar a tua equipa da melhor forma e aí darás o teu lugar a alguém com mais disponibilidade e capacidades que tu. Certo é que me sinto bem, sinto obviamente o peso da idade, preciso dormir mais horas depois de um jogo muito duro, alimento-me melhor cada ano que passa, porque a idade a isso exige. Exijo de mim ser o que melhor treina, o que mais treina o que mais se dedica, e creio que esse é um dos segredos do meu sucesso: é o bom estado de forma. Algum dia vou deixar de ser o melhor, mas para já sinto-me bem.

Cristiano Ronaldo até ganhar o Campeonato da Europa dizia que só lhe faltava vencer pela Seleção nacional. Até agora o Ricardinho já ganhou tudo menos um título pela Seleção. O que acha que falta a Portugal para vencer? Investimento ou, pelo menos, mais um Ricardinho?

Não falta exatamente nada! Tudo vai depender da forma como acreditamos em nós, já que os clubes portugueses continuam a apostar em atletas estrangeiros, e depois queixam-se que o selecionador não chama os seus jogadores à Seleção. Se os clubes portugueses não apostam nos jogadores portugueses, como é que vamos chegar às grandes competições preparados?! Por isso digo que temos de ser nós, jogadores, e a composição técnica da Seleção a acreditar no nosso trabalho, e superar-nos para conseguir um feito assim. Se fizeres uma pequena comparação, vês que 80/90% dos jogadores da seleção de “Fut-11” são titulares na maioria das vezes e fazem jogos de alta intensidade nos seus clubes.

É conhecido como ‘o sabe tudo’ no mundo do futsal. Há alguma coisa que não saiba nesta modalidade?

Nunca ninguém sabe tudo. Um dia um senhor disse-me que no dia em que achares que sabes tudo, deixarás de ser o melhor, e no dia que disseres “vou para o treino” em vez de dizeres “vou tentar” deixarás de ser o melhor. Então o que faço cada dia é ir treinar, e cada dia aprender o que a vida me dá, seja bom ou mau, aprender, porque temos sempre algo a aprender: umas vezes para guardar na memória e utilizar, outras vezes para guardar e saber que não vou fazer nunca. O que sei da modalidade é que a amo, divirto-me, aprendo, ensino, e que um dia ela me irá abandonar de forma triste, e que eu nunca estarei preparado para a perder na minha vida.

Entre Portugal, Japão, Rússia e Espanha qual a liga mais exigente a nível físico? E a nível psicológico?

A nível físico, acho que a da Rússia: há muito confronto físico e os árbitros “futebolizam” muito o futsal, o que é mau porque somos uma modalidade diferente. A nível psicológico, sem dúvida, a liga espanhola. Equipas muito fortes, e com as massas associativas a fazerem e, bem, o seu papel, durante e depois do jogo. 

E para viver? Onde gostaria de voltar? 

Lisboa, Portugal, uma cidade maravilhosa, onde tenho muitos amigos, família, e onde me sinto bem. Sei que irei voltar em breve, não sei quando, mas voltarei porque adoro a cidade.

O que mais o marcou em cada um desses países?

No Japão, a cultura, o civismo, a admiração. Amei. Na Rússia, o frio e falta de civismo. Não gostei. Em Espanha, a comida, a cidade de sangue quente. Adoro esta cidade! [Madrid]

Se pudesse jogar em qualquer clube sem ter de olhar para questões financeiras, onde estaria neste momento?

Criaria o Real Madrid futsal e jogaria lá! (risos)

Recuemos uns anos… Antes do futsal sonhou com o futebol de 11. Anos depois, o Ricardinho “Melhor Jogador do Mundo” recusou convites para futebol de 11?

Sim, recusei convites de futebol, de Portugal, de Espanha e até mesmo da Holanda, porque o sonho Fut-11 ficou para trás. Para mim era tarde.

Com que idade começa a jogar futsal?

Começo a jogar futsal federado aos 14 anos no Gramidense, uma equipa de Valbom-Gondomar, onde tinha amigos a jogar que me convidaram.

Que outros desportos praticou?

Sou um desportista total, gosto de jogar de tudo um pouco, sou um atleta de verdade, mas a minha paixão em pequeno, juntamente com o futebol, era o atletismo. Venci muitas maratonas e cheguei a ser atleta federado durante vários anos.

Quando veio para Lisboa representar o Benfica, veio sozinho? Como foi essa mudança?

Sim, fui sozinho. Aliás, no primeiro dia em Lisboa, os meus pais fizeram questão de me levar juntamente com o meu “pai” do futsal José Manuel Matos Leite, uma pessoa que não está mais aqui connosco, mas está lá em cima a olhar por mim, para saber onde eu iria ficar, com quem iria viver, etc. Nunca tinha saído de casa nem sequer da minha zona (Valbom-Gondomar), por isso imaginem a preocupação da minha mãe! (risos). Mas sabiam que ia estar bem. Fui viver com Arnaldo [Pereira] e André Lima, já na altura duas referências da modalidade, que foram das pessoas mais importantes no meu crescimento como homem e como jogador. Foi uma mudança dura. Depois de 4 meses em Lisboa já queria voltar ao Porto, aos meus amigos, namorada, família… mas felizmente por conselho deles fiquei em Lisboa, e a partir daí as coisas correram da melhor maneira.

Hoje em dia o que sente quando volta a Gondomar, onde tudo começou?

Orgulho! Orgulho por ter conseguido chegar onde estou, e perceber que os amigos que deixei para trás quando parti para Lisboa continuam aqui, do meu lado, a aconselhar-me, ajudar-me e orgulhosos de mim. Mas também alguma tristeza, por não ter tido ainda um reconhecimento merecido por tudo o que conquistei e pelas vezes que já levei o nome do concelho, ao mais alto patamar do desporto.

À exceção do Falcão, de quem sabemos que é um grande admirador, em que jogador reconhece grandes qualidades no futsal?

Existem vários jogadores com muita qualidade e que admiro: Bateria [Barcelona], Robinho, Bruno Coelho, Cardinal, mas sinceramente quem mais admiro em todos os sentidos – como pessoa, como profissional e como craque – é o Bateria.

Tem algum sonho que gostaria de ver realizado? Em tempos ser mais alto era um dos três desejos que pediria ‘à lâmpada mágica’?

O sonho que tenho assim mais próximo é o meu regresso ao Benfica e a apresentação aos sócios e amantes do futsal em geral ser no estádio da Luz, porque sem dúvida alguma adoro o clube, os adeptos e acho que seria algo histórico para o futsal e para mim. Seria o título que me falta vencer na carreira… Espero que um dia esse sonho se realize e no final possa dizer “já não é um sonho”.

Tem dois filhos. Como consegue conciliar a vida familiar com a vida profissional? Eles estão atentos ao seu percurso?

Eles são bastante atentos a todos os meus movimentos, quer dentro, quer fora de campo. O meu trabalho não me permite ser um pai mais presente, mas eles sabem que os amo incondicionalmente. Sei que terão um futuro risonho! 

O que vier a seguir será sempre relacionado com futsal?

Adoraria estar ligado à modalidade. Infelizmente, não sei se será em Portugal, porque não me identifico muito com a forma como se trabalha em Portugal na área que quero seguir, e não é ser treinador… Obviamente, tenho outros planos para o futuro, caso não siga no futsal.