China: menos Pooh, mais Xi

Na China, o aperto no controlo da informação e a pressão censória não são indiferentes ao calendário político

«Conteúdo ilegal». Esta foi a mensagem que disparou nos ecrãs de quem, nos últimos dias, tentou usar imagens de Winnie the Pooh no Sina Weibo, uma espécie de irmão chinês do Twitter. Há muito que a internet chinesa ridiculariza o Presidente associando-o à imagem do pequeno urso badocha. Isso acabou. Pooh foi banido da rede. «Há duas coisas que nunca foram permitidas: organização e ação política. Este ano houve um terceiro elemento acrescentado à lista: falar do Presidente», sustenta Qiao Mu, um especialista citado pelo FT. Também a abreviatura ‘RIP’ foi banida da internet na semana do falecimento do Nobel da Paz, Liu Xiaobo.

O aperto no controlo da informação e a pressão censória não são indiferentes ao calendário político. Tendemos a olhar para as eleições na Europa como os acontecimentos mais decisivos do ano. Mas não nos podemos esquecer que 2017 é ano de Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC). Em outubro dá-se a rotação de quadros no mais poderoso órgão do país, o Comité Permanente do Politburo. Mudanças que só acontecem de cinco em cinco anos e que podem deixar pistas sobre o futuro imediato da China.

Reunida na estância balnear de Beidaihe, onde o bungalow de Mao contempla o mar de Bohai, a elite do partido comunista entrou numa dura negociação de lugares. Há duas regras que comandam a renovação do comité: (1) a ‘qishang baxia’, ou ‘sete acima, oito abaixo’, impede a geriatrização do partido impondo que os membros com 68 ou mais anos abandonem o órgão; (2) o presidente e secretário-geral deve promover a transição da liderança abrindo a porta ao seu sucessor. Nesta fase não é nada certo que Xi Jinping cumpra as regras. Quando o diretor do gabinete de pesquisa de política central, um aliado do Presidente, diz que essas disposições «são flexíveis» e sujeitas a «circunstâncias políticas», é muito provável que Xi estoire com elas.

Ao não nomear um potencial sucessor, Xi pode estar a sinalizar a vontade de romper com outra regra: a dos dois mandatos. Estará o líder a preparar-se para prolongar a sua liderança para lá de 2022? Ninguém sabe. O que se sabe é que Xi é o líder mais poderoso das últimas décadas, só comparável a Mao ou Deng Xiaoping.

Os seus inimigos têm sido removidos e os seus aliados colocados em lugares estratégicos. Por exemplo, com a recente nomeação de Chen Min’er para secretário do partido em Chongqing, o Presidente passa a ter controlo direto sobre quatro das seis maiores e mais importantes regiões da China: Pequim (capital), Xinjiang (maior região administrativa e grande reserva de minérios e gás natural, na fronteira ocidental), Tianjin (acelerador tecnológico e centro financeiro, nas margens do Pacífico), para além de Chongqing (maior hub logístico, económico e populacional na bacia do Yangtzé). 

Quanto à evolução política da China, há muitas questões por resolver. A desigualdade económica, a poluição em níveis dantescos, a crise demográfica, os desafios da internet ou os sinais de desgaste de alguns pilares de um Estado que o PCC deliberadamente não quis reformar (sobretudo o sistema judicial e político) são focos de tensão. Mas num regime que se tem afirmado mais «pelos bens que providencia» do que «pelos direitos que protege», para o PCC tudo estará bem se a economia estiver bem.

A história mostra que a China foi uma das maiores vencedoras da globalização. Ora se o regime tem de prover para sobreviver, é precisamente na manutenção das forças definidoras da globalização que mora, e vai continuar a morar, parte do sucesso futuro da China. Isso explica a dupla personalidade de Xi Jinping: iliberal dentro de casa, grande defensor da globalização fora dela.