Cavaco, o homem que sabia demais

Há 30 anos o PSD conseguiu a sua primeira maioria absoluta. Marcelo, um anticavaquista histórico, celebrou no dia 19 o «feito notável» e o «carisma» de Aníbal Cavaco Silva.

Cavaco, o homem que sabia demais

Cavaco Silva celebrou 48 anos durante a campanha eleitoral de 1987. Cavaco faz anos a 15 de julho, as eleições foram a 19. No dia do aniversário, num jantar com jornalistas, o líder do PSD disse: «O erro de alguns políticos da nossa praça» foi terem «subestimado as minhas capacidades políticas». 

O resultado do dia 19 de junho de 1987 confirmou o erro de análise. Quatro dias depois de fazer 48 anos, Cavaco Silva estava a conseguir o que nenhum líder partidário tinha antes sonhado – a primeira maioria absoluta da democracia portuguesa.

Escreveu o Diário de Lisboa no dia seguinte: «Cavaco Silva obteve um resultado suficientemente grande para conseguir gerir a seu bel-prazer todos os ‘contrapoderes’ – autonomias regionais, independentes, JSD, TSD’s – que aguentavam os ânimos daqueles que, dentro do partido, rendendo-se embora à ‘necessidade de maioria absoluta’, esperavam que tal não fosse ‘demasiadamente grande’».

Mas foi. Espantosamente grande. 50,22% dos votos, 148 deputados eleitos, a confiança de 5.676.358 portugueses. Uma surpresa na política portuguesa, um choque total na esquerda que tinha forçado as eleições ao apresentar uma moção de censura ao governo minoritário. 

Como Mário Soares, então Presidente da República, não aceitou a ‘geringonça’ proposta pelo PS de Vítor Constâncio e pelo extinto PRD de Ramalho Eanes – que tinham maioria parlamentar – como alternativa ao minoritário primeiro Governo Cavaco, dissolveu a Assembleia e convocou eleições antecipadas. Cavaco nunca deve ter agradecido suficientemente a Mário Soares a bênção – já eram inimigos íntimos.

Entre os sociais-democratas que preferiam que a maioria absoluta de Cavaco Silva não fosse «demasiadamente grande» estaria o rebelde fundador do PSD Marcelo Rebelo de Sousa. É verdade que Marcelo apoiou a liderança de Cavaco no congresso da Figueira da Foz, defendendo a candidatura de Freitas do Amaral e a saída do PSD do Bloco Central. Mas foi sempre um outsider do cavaquismo e enquanto comentador político acabou por ser um dos maiores críticos de Cavaco e do cavaquismo. Aliás, Cavaco nunca o levou para o governo. Marcelo, que já tinha sido ministro dos Assuntos Parlamentares antes de Cavaco chegar ao poder no PSD, nunca teve a confiança política do líder do seu partido.

É, por isso, quase poético que o Presidente Marcelo tenha decidido fazer uma nota oficial esta semana de elogio encomiástico ao seu antecessor.

Na nota, publicada na quarta-feira, no site da Presidência, o Presidente da República decide festejar a primeira maioria absoluta do PSD. O texto é tão bom que vale a pena ser lido do princípio ao fim: «Há precisamente trinta anos, nas eleições realizadas no dia 19 de julho de 1987, um partido político obteve a primeira maioria absoluta monopartidária da democracia portuguesa. No quadro do nosso sistema eleitoral, tratou-se – e trata-se – de um feito notável, que atesta a confiança dos portugueses e o seu apoio a uma determinada solução político-governativa.

Para essa vitória, foram decisivos o carisma e a determinação do então líder do partido vencedor, o professor Aníbal Cavaco Silva, que serviu Portugal como primeiro-ministro e como Presidente da República. Nesta ocasião, permito-me saudar, de forma muito especial e calorosa, o professor Aníbal Cavaco Silva e o partido que então liderava, o Partido Social-Democrata, força partidária fundamental do nosso sistema político e do nosso regime democrático».

A maioria absoluta de há 30 anos foi festejada com a alegria da primeira vez. O repórter do Diário de Lisboa, Júlio Rodrigues, relata: «Os social-democratas encheram a Fonte Luminosa e ‘ocuparam’ Lisboa desde as 21 horas. Todos eram do PSD – até parecia – na capital: não havia rua sem carros ou bandeiras de Cavaco; não havia praça onde o PSD não fosse vitoriado. Era impossível o acesso à Praça de Londres à uma da madrugada. Laranja era a cor de Lisboa – e do país».

E continua: «Há alguns anos, uma manifestação como a que o repórter acompanhou esta madrugada só estava ao alcance da esquerda. Sá Carneiro, então vivo, não pensava, nem se afoitava, a encher a Alameda. Foi necessário juntarem-se PS, PSD e CDS para encherem a Alameda Afonso Henriques em agosto de 1975».