Emanuel Oliveira. “Como se previa, está a ser uma campanha de incêndios muito dura”

Consultor na área do risco de incêndios florestais explica o que esperar do combate às chamas nos próximos dias

Este verão está a ser mais exigente do que o habitual? Quais são os motivos?

Sim, como se previa está a ser uma campanha de incêndios muito dura. Primeiro, importa recordar que a paisagem em causa já não era percorrida por grandes incêndios desde 2003 e 2005. Em mais de uma década, a paisagem mudou, tornando-se mais homogénea ao nível dos combustíveis florestais, elevada carga e disponibilidade em extensas áreas, essencialmente resultantes da regeneração natural dos povoamentos ardidos (mas maioritariamente não geridos) e matos. Ou seja, uma mistura explosiva, sobretudo derivada do abandono do uso rural e do envelhecimento da população. Saliento que não falo de uma espécie propriamente dita, mas de modelos de combustíveis que, independentemente da espécie, alimentam estes grandes incêndios florestais.

Ao que veio somar-se o cenário climático.

Sim. Estas condições da paisagem, dentro do presente quadro climático, com um inverno e primavera muito secos, favoreceram a perda de humidade da vegetação. Por outro lado, a meteorologia atual, com vento moderado a forte, humidade relativa muito baixa e temperaturas elevadas são condições propícias para a ignição e propagação de incêndios florestais. A simultaneidade de ocorrências pode conduzir ao colapso do dispositivo.

O que parece estar a dificultar o combate às chamas no fogo que começou na Sertã e alastrou para Mação e lavra desde domingo?

Este incêndio é diferente do grande incêndio florestal de Pedrógão Grande e é mais previsível, pois trata-se de um incêndio conduzido pelo vento forte que empurra a frente principal, ou seja, a cabeça, permitindo o lançamento de faúlhas à frente, porém no mesmo sentido de propagação.

Previsível em que sentido?

Digo previsível porque depende da velocidade e direção do vento, logo com recurso a informação meteorológica e a tecnologia para a modelação dos ventos consegue ter-se uma aproximação da realidade no terreno. O combate a incêndios de vento obriga a que os trabalhos de extinção visem essencialmente impedir a abertura do perímetro do incêndio – tecnicamente dizemos que há que “flanquear” de modo a tirar força à intensidade do incêndio.

Quais são as dificuldades?

A dispersão dos aglomerados nesta zona implica uma priorização para o socorro às populações, o que obriga a que as forças de combate se concentrem na proteção de vidas e bens e o fogo se propague livre na floresta, aumentando perigosamente em área e em perímetro. Daí a necessidade de especialização e profissionalização do combate aos incêndios florestais, com equipas destinadas exclusivamente à extinção do fogo em espaço rural/florestal.

Em que zonas deve haver especial atenção nos próximos dias?

Creio que os incêndios de Sertã–Mação e de Vila Velha de Ródão continuarão a dar problemas nas próximas horas, devido à esperada mudança de ventos e à dimensão do perímetro. Tudo indica que a sua propagação nas próximas horas deverá dirigir- -se em direção ao rio Tejo, podendo, numa situação de agravamento das condições, passar para a margem sul (atingindo os concelhos de Gavião e de Nisa).

Há mais zonas preocupantes?

Todo o interior norte e centro do país, bem como o Algarve, por se encontrarem dentro de períodos de grandes incêndios recorrentes – ou seja, há mais de uma década sem incêndios e a sofrerem as consequências da seca e de acordo com a meteorologia prevista –, são as zonas que deverão implicar uma maior prevenção operacional, assente na vigilância e na alocação de meios e recursos.

Mas os fogos acabam por ser mesmo cíclicos?

Pelo facto de um território se encontrar há mais de uma década sem arder, isso não significa propriamente que tenha de sofrer novamente com incêndios; o problema está em se, após os incêndios, a carga de combustível florestal não foi gerida ou não se criou valor florestal.

Em termos de prevenção e análise de risco, parece-lhe estar a ser feito tudo o que é possível por parte da Proteção Civil e bombeiros, sobretudo depois da tragédia de Pedrógão?

Existe uma lacuna na prevenção operacional por falta de técnicos analistas. O atual sistema baseia–se numa resposta reativa e é necessária uma resposta proativa, com a definição de estratégias e de táticas de combate por antecipação. O papel do analista é prever o comportamento e a propagação do incêndio, avaliar e validar procedimentos, cujos resultados deverão apoiar a tomada de decisão atempada. No país existem, talvez, cerca de duas dezenas de técnicos com valências e experiência para reforçar o dispositivo de combate, alguns deles ex-elementos das equipas GAUF (Grupo de Análise e Uso do Fogo). No entanto, não tenho conhecimento de contactos para a sua integração após o grande incêndio florestal de Pedrógão Grande. É de salientar que os analistas não se fazem em cursos, mas requerem contacto e à-vontade com o fogo e o domínio de diversas temáticas, tais como meteorologia de incêndios, comportamento do fogo, uso de simuladores, etc. Contudo, é possível integrar um corpo de analistas ao sistema de combate ainda nesta campanha de incêndios.