Venezuela. A morte saiu às urnas

Este domingo vivia-se o dia mais mortífero da história recente da Venezuela. Pelo menos seis pessoas morreram antes do cair da noite. 

A morte sai às ruas venezuelanas quase todos os dias desde abril, mas nunca como este domingo, dia das controversas e definidoras eleições engendradas por Nicolás Maduro. As urnas ainda nem estavam no lugar e já corriam notícias de cinco pessoas assassinadas de madrugada, quatro ligadas à oposição e uma associada ao oficialismo – um candidato.

À medida que o dia foi avançando e as dezenas de protestos convocados pela oposição começavam a ganhar forma e número, o gotejar de notícias de novas mortes pelo país tornava-se mais frequente. Ao final do dia, estavam ainda as urnas abertas, a aliança de partidos opositores anunciava já a morte de 12 pessoas. 

O “El País”, sustentando-se nas informações oficiais da procuradoria venezuelana, dava conta de seis mortos à mesma hora. Vão acrescentar-se às cerca de 115 vítimas registadas desde abril e da abertura da mais recente e mais mortífera crise política nos últimos anos da história venezuelana.

Planos incertos

Nicolás Maduro levou a melhor com o seu projeto eleitoral sobre a vontade da oposição e da comunidade internacional. Ninguém sabe ao certo o que o presidente venezuelano quer da Assembleia Constituinte, à qual este domingo se candidatavam sobretudo militantes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), simpatizantes e nenhum opositor.

Do que se sabe é que o presidente não está em condições de ser reeleito indo às urnas quando está previsto, em outubro de 2018. E sabe-se também que a Assembleia Nacional, que apenas há dois anos recebeu uma nova e reveladora maioria oposicionista, é um embaraço mais ou menos gerível para o oficialismo, que agora controla as leis através do Supremo Tribunal.

Maduro confessa que procura uma nova arquitetura institucional e os críticos vêm nisso sinal de que procura adiar eleições, anular o poder da oposição e esperar dias melhores nos preços do petróleo que lhe permitam vencer eleições.

Maduro promete paz 

A vitória do oficialismo nas eleições deste domingo estava praticamente garantida e somente uma grande abstenção poderá magoar Maduro. Quando o presidente foi votar, ao romper da manhã, às seis horas locais, prometeu que a Assembleia trará de novo a paz às ruas.

“Quis ser o primeiro voto pela paz”, disse Maduro, quando as ruas ainda não caíam no turbilhão de violência a que se assistia no final da tarde, quando, por exemplo, começaram a circular imagens de uma explosão contra uma coluna policial que feriu com gravidade vários agentes.

O líder venezuelano vem assegurando há semanas que a Constituinte está pensada para inverter a crise e assim o prometeu novamente este domingo. “Vai ser o espaço, o poder dos poderes, o superpoder que vai permitir reencontrar o espírito nacional, reaver a reconciliação e justiça.”

"Isto terminará"

As ruas de Caracas demonstravam este domingo que essa reconciliação está longe de se materializar. Dezenas de barreiras incendiadas iam-se montando nas ruas da capital durante a tarde (início da noite em Portugal), como parte do promessa oposicionista de paralisar o país e protestar as eleições.

As dezenas de milhares de soldados nas ruas não pareciam envolvidos em confrontos, mas as usuais brigadas da Guarda Nacional Bolivariana em motociclos eram ubíquas.

“Mesmo que eles vençam hoje, isto não está para durar”, dizia este domingo à Reuters uma manifestante antigovernamental de 60 anos, chamada Berta Hernandez. “Continuarei nas ruas porque, daqui a não muito tempo, isto terminará”, concluiu.