Belém. Famílias das vítimas pedem independência na investigação do incêndio

As dúvidas sobre até que ponto se chegará à verdade na investigação ao que aconteceu em Pedrógão foram evidentes no discurso da porta-voz

A representante das famílias das vítimas de Pedrógão leu ontem, no final de uma reunião com o Presidente da República, um texto onde foram manifestadas preocupações e dúvidas relativamente ao apuramento da verdade dos factos sobre o incêndio de Pedrógão.

Nádia Piazza, mãe de uma das crianças que perderam a vida na tragédia, chegou a referir a possível existência de “forças contrárias ao apuramento da verdade” e admitiu que a voz das vítimas pudesse cair no esquecimento, “superada por uma versão institucional dos factos, fundamentada por um qualquer relatório dúbio”.

O texto que Nádia Piazza leu em Belém – durante cinco minutos – deixa implícitas as dúvidas que persistem nas famílias sobre a capacidade de a verdade dos factos ser apurada.

A representante das famílias fez um apelo “aos magistrados, aos inspetores da Polícia Judiciária, aos investigadores e cientistas da comissão técnica independente e aos investigadores do Centro de Estudos Florestais, que sejam independentes e imparciais, guerreiros incansáveis contra quaisquer dificuldades ou forças contrárias ao apuramento da verdade”.

Numa declaração dura, Nádia Piazza chegou mesmo a aludir aos tempos da ditadura – como, de resto, na semana passada fez o Presidente da República quando disse: “Em ditadura era possível haver tragédias e nunca ninguém bem percebia bem quais eram os contornos porque não havia um Ministério Público autónomo, juízes independentes e comunicação social livre.”

Segundo Nádia Piazza, “Portugal é um Estado de direito, mas às vezes esquece-se de como foi viver nos tempos em que buscar a justiça era sinónimo de oposição. Não é. Esta luta é de todos: cidadãos, Presidência, Assembleia da República, governo e Judiciária”.

Foi ao fazer um apelo às famílias de outras vítimas para se juntarem à associação que a porta-voz se referiu ao risco de “um qualquer relatório dúbio”.

“Juntos somos fortes. Separados, a nossa voz será esquecida e, com ela, os nossos entes falecidos, superada por uma versão institucional dos factos, fundamentada por um qualquer relatório dúbio”, disse Nádia Piazza, que manifestou a confiança das famílias das vítimas em Marcelo Rebelo de Sousa.

“É ao Presidente da República, o Presidente de todos nós, último garante da Constituição da República e do Estado de direito, que manifestamos a nossa mais sentida revolta pela morte de tantas pessoas e é no Presidente da República que manifestamos a nossa mais firme confiança na garantia da obtenção da justiça que todas e cada uma das vítimas merecem”, disse a porta-voz das famílias.

Nádia Piazza revelou também que o grupo está a organizar-se em associação e quer impulsionar a feitura de uma lei. “Manifestamos a nossa intenção de motivar um anteprojeto de lei em matéria de direito das vítimas em caso de catástrofes, com a criação imediata de uma associação de vítimas a coberto da lei, com apoio jurídico associado, a criação de uma unidade de missão independente desde a primeira hora responsável por agilizar e coordenar todas as questões burocráticas, logísticas e de ressarcimento dos danos materiais e pessoais”.

Entretanto, no parlamento, PSD, CDS, PCP e BE acordaram aprovar um texto para acelerar o pagamento de indemnizações às famílias das vítimas o mais rapidamente possível. Mas a pressa foi criticada pelo PS, para quem é “inexplicável” e “um bocadinho incompreensível” que se decida fazer e aprovar um projeto-lei no meio das férias parlamentares.