Na Coreia do Norte, americanos vestem-se com peles de cordeiro e lobo

O secretário de Estado americano afirmou terça-feira que os Estados Unidos não são inimigos do regime norte-coreano e não o querem derrubar. Contraria meses de diplomacia baralhada. 

O novo governo americano continua sem escolher entre o diálogo com o regime norte-coreano e a ameaça de confronto aberto como resposta ao seu acelerado programa militar. O secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, que no final da semana se vai encontrar com os chefes da diplomacia chinesa, japonesa e sul-coreana, disse na terça-feira que os Estados Unidos não procuram derrubar o regime dos Kim e que Washington quer um lugar à mesa do diálogo, duas posições contrárias às mensagens recentes de responsáveis militares americanos e do que vem saindo do gabinete e conta no Twitter do presidente. 

“Certamente não culpamos os chineses pela situação na Coreia do Norte”, disse Tillerson, aparentemente afastado do círculo de íntimos de Donald Trump e dirigindo um dos departamentos governamentais que mais sofreu cortes no pessoal e orçamento com o novo governo. “Não procuramos a mudança do regime”, prosseguiu o secretário de Estado. “Não procuramos o colapso do regime; não queremos a acelerada reunificação da Península; não queremos uma desculpa para enviarmos o nosso exército para norte do Paralelo 38. E tentamos dizer aos norte-coreanos: não somos o vosso inimigo, não somos a ameaça, mas estão a apresentar-nos uma ameaça inaceitável, e temos de responder.”

Não é a primeira vez que Rex Tillerson sugere o rumo do diálogo com o regime norte-coreano. Fê-lo também em abril, passados meses a insistir que o modelo de “paciência estratégica” de Barack Obama não funcionou e que os Estados Unidos se viam obrigados a deixar em aberto as soluções mais drásticas. Terça-feira, no entanto, Tillerson disse que essas opções – ou seja: ataques preventivos que quase certamente resultariam numa guerra aberta e na morte de dezenas de milhares (possivelmente centenas de milhares) de mortos – “não são apetecíveis”. “Gostaríamos de nos sentar [à mesa] e ter um diálogo sobre o futuro", afirmou, sinalizando vontade em recuperar as negociações multilaterais que faliram em 2009. 

Se Tillerson se veste com pele de cordeiro, o resto da administração faz o contrário. Donald Trump, por exemplo, escreveu recentemente que estava “muito desiludido” com Pequim e a sua alegada inação no dossier norte-coreano. Tillerson até se contraria a si próprio, uma vez que, no mesmo mês de abril em que abriu portas ao diálogo, disse que “a paciência dos Estados Unidos está a acabar”. E, para além disso, Tillerson contraria o desejo de mudança de regime expressado pelo diretor da CIA no final de julho, assim como, mais recentemente, as declarações do senador Lindsay Graham, republicano que diz estar a tratar do tema da Coreia do Norte diretamente com o presidente e que, na segunda-feira afirmava que Trump já tem um plano de guerra.

“Se houver uma guerra para os parar, acontecerá lá. Se milhares morrerem, eles não vão morrer aqui e o presidente disse-me isso na cara”, afirmou Graham. “Se a Coreia do Norte continuar, será inevitável”, assegurou.