“O governo não se deixou contaminar pelas opções antidemocráticas do PCP”

Francisco Assis, eurodeputado do PS e crítico da geringonça, elogia a posição do governo em relação à Venezuela

Francisco Assis defende a aplicação de sanções. Em declarações ao i sobre os últimos acontecimentos na Venezuela, o eurodeputado considera que “estas eleições são ilegítimas e não têm credibilidade”. 

Qual é a posição que a União Europeia deve adotar perante a gravidade da situação na Venezuela?

Tem havido um acompanhamento muito grande e com um grande consenso. Neste momento, creio que isto está a atingir proporções de tal ordem que não podemos ficar por aqui. Eu tenho acompanhado muito de perto a situação e julgo que nós temos de avançar para uma outra fase, e temos de admitir a necessidade de recorrer à aplicação de sanções seletivas. 

Dirigidas a quem?

Seletivamente dirigidas às altas figuras do regime, a começar pelo próprio presidente. Não estamos em falar em sanções que prejudiquem o povo venezuelano, que já está a viver em condições miseráveis, mas para prejudicarem aqueles que são os responsáveis por esta situação. Na Venezuela, hoje, há um poder altamente corrompido e, portanto, há gente com muitos interesses. No caso europeu, julgo que a aplicação de sanções seletivamente dirigidas às altas figuras do regime pode contribuir para um maior isolamento dessas mesmas figuras, com consequências do ponto de vista da manutenção das mesmas no poder. Já não acredito noutra via. A verdade é que todas as tentativas de diálogo falharam.

O ministro Augusto Santos Silva afirmou ontem que Portugal não reconhece a Assembleia Constituinte da Venezuela. Como vê a posição adotada pelo governo português? 

Tem sido a posição correta. Não se tem afastado daquela que tem sido a posição no plano europeu. O que é um facto é que estas eleições são ilegítimas e não têm credibilidade. Há uma clara tentativa de instauração de uma ditadura e os primeiros sinais são muito negativos. É preciso pôr um travão nisto e tudo o que a União Europeia puder fazer para isolar mais o regime, deve fazê-lo. 

O PCP, ao contrário do PS e do Bloco de Esquerda, apoiou as eleições para a Assembleia Constituinte …

Não é surpreendente, O PCP tem mantido ao longo dos anos essa posição. Há um aspeto importante: é que isso não tem, até aqui, influenciado as posições e as decisões do governo. Esse parece-me ser o ponto fundamental. 

Nesse aspeto, o PCP não conseguirá influenciar o governo?

O governo, desse ponto de vista, não se deixa influenciar pelo PCP. Não creio que exista esse risco, atendendo até à própria personalidade do ministro dos Negócios Estrangeiros [Augusto Santos Silva]. Não me parece que exista algum risco de que ele se deixe influenciar ou contaminar pelas opções antidemocráticas do Partido Comunista. Já sabemos que o Partido Comunista tem uma visão própria no quadro internacional e, verdadeiramente, o que o Partido Comunista demonstra, mais uma vez, é que a sua essência mais profunda não é a de um partido democrático.

Esta é uma das situações que o fazem discordar da existência da geringonça? Foi muito crítico desta solução devido às divergências entre os partidos sobre questões europeias e internacionais.

Essa é a minha visão. Acho que esse é um dos principais problemas. Esse é um problema geral desta solução mas, independentemente disso, do ponto de vista da política externa do governo português, não acho que o governo tenha adotado, até ao momento, qualquer atitude que ponha em causa a sua fidelidade àquilo que tem sido a posição de sempre do PS. Desse ponto de vista, não há influência do PCP e do Bloco, embora o Bloco tenha um conceção muito diferente do PCP. O BE tem tido um comportamento que me parece exemplar nesta questão da Venezuela. 

Este tipo de divergências desgastam o governo? 

A minha questão não é se desgastam… O que acho é que, à partida, limitam a possibilidade de sucesso de uma solução política desta natureza e retiram sempre alguma energia a uma solução governativa em que o partido do governo está dependente – não para estas coisas, mas para muitas outras – de partidos, como é o caso do Partido Comunista, em relação ao qual nós temos divergências profundíssimas. Não são divergências de pormenor. Mas isso não é nada de novo. Já se sabia que ia ser assim.