A latinização de um país

Portugal: o país onde os turistas passaram a cidadãos e os portugueses passaram a estrangeiros

Chegámos e fazia calor. Assim que saímos do avião sentimos a humidade abafada. O táxi, antigo, cheirava a algo que não justificava o preço da viagem. A conta do hotel também ultrapassava a qualidade do dito. 

Não se via um local nas ruas, não se ouvia uma palavra que não em mau inglês. Só gente de mochila, tirando fotografias, mais turistas como nós. Muita gente de países vizinhos em férias. 

Nas televisões, passava futebol ou um senhor com o mesmo fato e a mesma gravata a sorrir bastante, como se fosse a versão nacional de um Papa. Ia à praia, à floresta, à cidade, a todo o lado. Se beijasse testas em vez de bochechas poderia ser padre. 

Às vezes, outro político, de ar mais diligente mas maior autoridade, vinha confirmar cenários semelhantes. 
A dada altura, parece que uma empresa de um país civilizado quis entrar na nação e tiveram que ir os dois recebê-la. Aí, sorriram menos. Afinal de contas, era do grande capital que se tratava. Todo o cuidado era pouco.

Mais tarde, um ‘país irmão’ e à beira do colapso surgiu nas notícias e um partido veio à televisão oferecer a sua solidariedade. 

Primeiro, pensámos que o apoio tinha que ver com o facto de haver gente a morrer à fome, mas não. Tinham acabado de prender uns líderes da oposição; hábito que não tivemos coragem de perguntar se também tinham por aqui porque não nos pareceu ver oposição de todo. 

Comentámos com o guia o que achava do tal país ter manipulado oito milhões de votos numa eleição. A resposta foi curiosa. «Aqui não temos esse problema, sabe, não há assim tanta gente a votar». Pois bem. 
Na televisão continuavam a falar e fora disso pouco acontecia. Não disfarçavam nada que eram comunistas, os solidários.

Nós, que estávamos a comer um gelado, não ligámos muito. A cidade vivia nessa imensa ironia de estar cheia de capelas e de comunistas ao mesmo tempo. Uma questão de hábito, na verdade. 

Um inglês do nosso grupo contou que conseguiu um voo barato e veio apanhar uma bebedeira. «Sai mais barato que beber em Londres», sorriu, satisfeito. Não havia dúvidas por quê.

As ruas foram reduzidas a passeios para os turistas caberem todos. Os carros atafulham-se em faixas magras e tentam não assassinar ciclistas, que nunca vimos nem partirem nem chegarem a lado nenhum. 

As montras jazem cobertas de camisolas da seleção com a cara do seu melhor jogador: talvez o único mais falado que o tal senhor do fato. 

Pagámos seis euros por uma garrafa de água. As praias, todavia, são maravilhosas. Para quem não trabalhe, compensam o trânsito. E o clima? Inigualável. A cerveja baratíssima e breve a produzir o devido efeito. Viemos, aliás, pelo seu preço e porque nos disseram que aqui ninguém faz mal a uma mosca. 

Não, meu caro leitor não é a América Latina ou uma ficção. É Portugal. Onde os turistas passaram a cidadãos e os portugueses a estrangeiros.