Eleições angolanas. “Uma nova Angola” feita com base nos métodos de sempre

MPLA diz que João Lourenço traz uma perspetiva diferente, oposição queixa- -se da falta de espaço nos media e irregularidades no processo eleitoral

O MPLA ganhará com maioria absoluta? José Eduardo dos Santos entregar-se-á à vida civil sem qualquer interferência no poder? João Lourenço, o ministro da Defesa e candidato do MPLA à presidência, conseguirá unir à sua volta o partido que só conheceu dois líderes em 41 anos de independência de Angola? A UNITA poderá perder o estatuto de líder da oposição? A coligação da CASA-CE, liderada pelo ex-UNITA Abel Chivukuvuku, conseguirá mesmo transformar-se na segunda força política?

Os angolanos vão a votos no dia 23 de agosto e, embora ninguém espere uma derrota do MPLA, há dúvidas em torno do resultado que o partido que já foi único poderá alcançar. Principalmente, a possibilidade de não chegar aos 50% de votos e perder para a oposição a maioria na Assembleia Nacional.

Miguel Gomes, assessor de comunicação da organização não governamental ADRA, acredita que a votação no MPLA possa não chegar aos 50%, embora esteja mais convicto de um resultado entre 50 e 55%. “Acima disso, será uma surpresa para mim. Uma maioria bastante qualificada levantará dúvidas sobre a lisura do processo”, diz.

Independentemente do resultado, Miguel Gomes acredita que João Lourenço “não terá grandes hipóteses, apertado entre a necessidade de criar o seu espaço e o seu caminho (sob pena de ser apeado em três tempos) e a necessidade de lidar com o legado de José Eduardo dos Santos”.

Manuel Fragata de Morais, deputado do MPLA, não tem dúvidas de que o seu partido vai ganhar as eleições: “Existe a confiança na vitória do MPLA. Pode não ser aquela antiga, dos 70 e tais por cento, mas para cima de 60%, isso eu garanto.”

O veterano deputado sublinha que a campanha está a decorrer “na maior das normalidades”, não havendo percalços porque, na generalidade, os partidos têm sido “responsáveis”. João Lourenço tem passado pelas 18 províncias com receções massivas, “nalgumas delas em apoteose”. O candidato “representa uma nova fase para a nossa vida”, uma “perspetiva diferente”.

“Há um carinho muito grande” por João Lourenço, diz Fragata de Morais, porque “não está ligado de forma nenhuma a qualquer noção de corrupção, é um agricultor bem-sucedido pelo esforço dele” que “projeta uma imagem de uma nova Angola a nascer, onde esses problemas da impunidade, esses problemas da corrupção vão ser vistos e vão ser atacados.”

O deputado do MPLA admite, no entanto, que se trata de uma opção na continuidade, sem grande rutura: “Vai continuar aquilo que o nosso presidente José Eduardo dos Santos construiu.”

Quanto aos possíveis anticorpos que o candidato do MPLA possa ter dentro do partido, Fragata de Morais, que também é escritor, dramaturgo e diplomata, é perentório a negá-los: “Isso só existe para as pessoas que estão aí na Europa, essa história dos anticorpos. O MPLA existe desde 1956, sempre incluiu todos os segmentos da nação (intelectuais, raciais, de etnicidade). Aliás, essa sempre foi a sua grande força.”

Numa campanha morna, os órgãos de comunicação públicos, aqueles que têm difusão nacional, perpetuaram a tendência para dar mais tempo ao MPLA e ao governo em detrimento dos outros partidos.

“Nós não estamos a pedir para sermos beneficiados, mas queremos pedir isenção, equidistância, sobretudo a observância da deontologia e, acima de tudo, o respeito por todos os candidatos. Isso não tem acontecido, são 365 dias em que falam do MPLA, do governo, do candidato, e à oposição dão três minutos e de maneira deformada”, afirma o secretário para a Comunicação da CASA-CE, Félix Miranda.

Alcides Sakala, deputado e porta-voz da UNITA, fala em irregularidades em todo o processo eleitoral, denúncias que o partido tem vindo a tornar públicas nos últimos meses: irregularidades na forma como foram contratadas as empresas de apoio tecnológico do processo eleitoral (SINFIC e INDRA), cartões de eleitores recolhidos e ainda não devolvidos. O próprio registo eleitoral não foi feito por um órgão independente, mas pelo Ministério da Administração do Território (liderado por Bornito Sousa, candidato a vice-presidente pelo MPLA), tendo deixado de fora muitos eleitores, diz o dirigente da UNITA.

“Há também o problema da falta de observação internacional independente”, dado que o governo não aceitou, como em 2012, a presença de uma delegação de observadores da União Europeia (à volta de 200 pessoas) que, no fim, se pronunciasse sobre o processo. O executivo de José Eduardo dos Santos não aceitou o Memorando de Entendimento enviado por Bruxelas e nas eleições estarão apenas quatro peritos da UE que não farão qualquer comentário público sobre o processo.

“É uma falta de vontade política do governo angolano para se ter uma eleição transparente e justa que ficaria sujeita a esta observação internacional independente”, conclui Sakala.