O maquinista é o derradeiro viajante

António Reis viaja todos os dias, mas não é turista. Ele é quem tem a responsabilidade de pegar no comboio e levá-lo a todo o lado. “Todas as viagens são diferentes”, confessa.

Nunca tínhamos estado na estação de Santa Apolónia pela tarde. Ainda não são 15 horas e já aprendemos uma coisa: é depois de almoço que aqui se junta mais gente. São comboios a chegar e a partir, são turistas aos magotes, são pessoas que se escondem do tão elogiado sol de Lisboa – a esta hora, há de tudo.

Entre turistas dos quatro cantos do mundo, abordamos um senhor que está sozinho, sentado num dos bancos da estação. Vestido de verde fluorescente e com uma pequena trança na barba, quase dava para apostar que era turista – holandês, provavelmente. Sentamo-nos ao seu lado e arriscamos: “Do you speak English?”, perguntamos. “Yes, a little bit”, responde num sotaque que até dá ideia de ser português. Voltamos à carga: “E português, fala?” “Sim!”, exclama. Aprendemos outra coisa nesta tarde: desconfiar das primeiras impressões.

Chama-se António Reis, é de Torres Novas e é um dos homens responsáveis por levar os comboios onde eles precisam de ser levados: “Trabalho aqui na empresa, já sou maquinista desde 1995.”

“Comecei como aprendiz na CP, fui para lá aos 14 anos. Tirei o curso de Eletricidade durante três anos, depois, em 89, fui para o Cais do Sodré como eletricista, na CP, e em 95 concorri a maquinista”, explica. António, que nasceu em Riachos, Torres Novas, foi para o Entroncamento aos 14 anos “e lá comecei a carreira”, resume.

Durante a nossa conversa, o ruído dos comboios interrompe-nos o raciocínio várias vezes, mas nada a que António não esteja já habituado: “Já me habituei ao barulho” – afinal, são 22 anos a lidar com comboios todos os dias.

E como é ter um comboio nas mãos? “É bom, mas é também uma grande responsabilidade. Não é nenhum trabalho pesado nem é cansativo. Como todos os dias viajamos para sítios diferentes, não se torna aborrecido.”

Hoje, António já viajou de Tomar para Lisboa e agora está à espera que chegue o seu comboio para o levar para a Beira Baixa. “Estou à espera que chegue o meu material. Agora vou pegar no comboio que vai para a Beira Baixa, mas levo-o só até ao Entroncamento. No Entroncamento saio e entra outro colega que o leva até Castelo Branco”, explica-nos.

António conta-nos que já conhece quase todas as estações de Portugal e que “todas as viagens são diferentes, por isso é que esta vida não é aborrecida”.

“Gosto muito disto. É bom passear e receber para passear”, diz com um sorriso.