7 de agosto de 1970. Vem aí a onda verde! E ela não deu à praia…

Promessa de verão para cumprir no inverno. Semeavam-se semáforos por toda a cidade, vinha aí o trânsito que se regulava a si mesmo e permitiria o fluir dos automóveis cada vez em maior número

Uma promessa de verão para cumprir no inverno.

“Vem aí a onda verde!”, gritavam as manchetes aos quatro ventos.

Era agosto, Lisboa esvaziava-se, nem sabia ao certo o que a esperava.

Onda verde. Não, não tinha nada a ver com o mar. Mas acabaria por nunca chegar à praia. Nem hoje!

Talvez esta última expressão tenha sido um tudo-nada irónica.

O trânsito que me perdoe… mas, realmente, chega a ser tão irritante na capital que merece até pior do que ironia. Escárnio?

A sementeira tinha início. A sementeira de semáforos. Mil seiscentos e vinte e quatro prometidos para as semanas que aí vinham. Duzentos e quarenta cruzamentos contemplados pelo bafo envolvente da modernidade.

Lisboa, capital do Império; Lisboa, capital do mundo.

Sabemos como as coisas se desenrolaram.

Mas percebemos, à distância, graças ao senso que só o tempo traz, o entusiasmo que se levantava. Em ondas, precisamente.

“Oitenta e três mil contos custará no total esta obra (incluindo o equipamento, a sua montagem e a sua manutenção durante cinco anos), afirmando os técnicos que se trata do projeto mais avançado da Europa o que, aliás, está de acordo com a lusitaníssima pecha de passar do nada para o tudo.”

Ah! A ironia não é só minha.

O maior projeto da Europa. Semáforos atrás de semáforos atrás de semáforos. Onda verde? Sim. E vermelha e amarela.

Atrasos

Muito lusitanissimamente, ao mesmo tempo que se anunciava a obra faraónica, avisava-se que havia atrasos. Não muito atrasados atrasos, mas que talvez tudo não estivesse completamente terminado em dezembro.

E, depois, como diz a expressão lusitaníssima: “Mete-se o Natal…”

Quando se mete o Natal, ou a Páscoa, ou os feriados de Junho, ou as comemorações henriquinas e o diabo a sete, atrasam-se as coisas. É assim mesmo, nada a fazer…

“Algumas destas obras são de grande extensão, tal como por exemplo as do Largo de São Sebastião da Pedreira e da Estrela, nas quais as linhas de elétrico terão de ser mudadas de posição para permitir a fluição do tráfego.”

Pois. Ninguém disse que seria fácil. Bem pelo contrário.

Obra de estadão!

Havia, percetivelmente, um orgulho. O engenheiro Pereira Marques, diretor da Divisão de Iluminação e Trânsito da Câmara Municipal de Lisboa, era um homem no centro do tufão chamado semáforo. E revelava, impante: “Todo este conjunto, instalado em 204 cruzamentos das zonas mais frequentadas pelo trânsito automóvel, há de ser comandado por um computador situado num edifício da Rua Castilho. No fim de contas será o trânsito a comandar-se a si próprio pois o computador pensará de acordo com as ordens que lhe forem fornecidas a cada momento por 215 pontos de observação espalhados pela cidade. O sistema incluirá ainda 197 detetores locais de trânsito.”

O século xx estava aí em todo o seu esplendor.

De deixar de boca aberta o Jacinto de Tormes e as suas modernices parisienses.

Mas, ao mesmo tempo, lá estava… O trânsito regular-se a si próprio deixava a pulga atrás da orelha.

Campo de Ourique estava preparado para ser o bairro pioneiro. Assim como uma cobaia, se quiserem.

“Serão os detetores a fornecer ao computador os dados de contagem que lhe permitirão transmitir ordem de regulação aos dirigentes que, por seu turno, passarão as suas ordens a dispositivos chamados satélites para que eles façam ativar automaticamente os semáforos.”

Confuso? Estou de acordo. Mas percebo lá o que seja de semáforos e afins. Agora que soava um bocado a utopia, isso soava. Ainda soa.

Aos poucos, os lisboetas habituavam- -se a ver uns postes de metal embrulhados em plástico, Olhavam-nos desconfiados, mas sabiam que vinha o futuro a galope.

Onda verde! Bela expressão.

Uma onda que não tardou a ficar em águas de bacalhau…