Operação Marquês. Com ou sem TGV, o Grupo Lena ganharia sempre

Consórcio Elos acabou por ganhar o direito a uma indemnização do Estado de 150 milhões de euros. A escassa viabilidade do projeto parecia ser algo que o consórcio já previa

Quer o TGV avançasse quer não, o Grupo Lena, empresa arguida na Operação Marquês, ficaria sempre a ganhar. Segundo o contrato para a construção da linha de alta velocidade, caso a obra não viesse a avançar, as empresas do consórcio a que fora adjudicada obteriam uma elevada vantagem financeira, mercê de uma pesada cláusula de indemnização. Essas empresas, de que o Grupo Lena fazia parte, integravam o consórcio designado Elos.

A concessão ao Elos dizia respeito ao troço de comboio entre Poceirão e Caia, adjudicado por 1,7 mil milhões de euros. Com a suspensão do projeto, pelo governo de Passos Coelho (de acordo com o memorando da troika), as empresas concorrentes exigiram uma indemnização de 169 milhões, argumentando a necessidade de serem ressarcidas pelos custos suportados relativos à preparação do projeto – um valor superior aos 120 milhões de euros que o Tribunal de Contas disse terem sido gastos nesta fase.

Em fevereiro de 2014 foi constituído o tribunal arbitral para a avaliação daquele pedido de indemnização, “na sequência da recusa de visto pelo Tribunal de Contas aos contratos relacionados com as infraestruturas ferroviárias no troço Poceirão-Caia e da Estação de Évora”, como revelou o “Público”. A verdade é que o Elos acabou mesmo por ganhar o direito a uma indemnização do Estado de 150 milhões de euros.

Dúvidas sobre viabilidade O processo foi iniciado sem que fosse possível saber o seu custo-benefício para Portugal. E, como o SOL noticiou, “o Estado não comprovou, perante o Tribunal, a comportabilidade dos encargos que decorriam do único contrato PPP [parceria público-privado] assinado e ao qual foi recusado o visto prévio”. Como se pode ler no relatório citado na altura, “os estudos preliminares demonstraram que o investimento na rede ferroviária de alta velocidade não apresentava viabilidade financeira”.

Mas a escassa viabilidade do projeto parecia ser algo que o consórcio Elos já previa, pois a situação contratual foi-se modificando à medida que o negócio avançava. Segundo o i apurou, já durante a fase de negociação da proposta, foi incluída, por sugestão de juristas ligados ao Elos, uma cláusula no contrato dedicada exatamente ao teor das indemnizações, por forma a tornar mais explícitas as situações em que as empresas deveriam ser ressarcidas. Assim, na perspetiva de existir uma recusa por parte do Tribunal de Contas – o que acabou por acontecer –, o consórcio reforçou a garantia de uma recompensa por parte do Estado.

Além disso, de acordo com a mesma fonte, o articulado do contrato do Elos sofreu outras alterações. A proposta inicial tinha um valor muito inferior ao que foi posteriormente apresentado: na oferta final, o valor representava o dobro do que fora avançado de início. Mesmo assim, esta oferta foi considerada satisfatória. Invocando a crise económica e financeira nacional existente na altura (a obra no troço Poceirão-Caia teve início em 2010), o júri responsável pela concessão encarou o aumento como uma compensação pelo risco financeiro que as empresas então corriam.

A influência de Sócrates O MP suspeita que o negócio do TGV também tenha sido influenciado pelo então primeiro-ministro José Sócrates, arguido na Operação Marquês. O procurador Rosário Teixeira, que lidera as investigações, acredita que Joaquim Barroca, o homem por detrás do Grupo Lena, pagava a Sócrates para que este, com o poder político que detinha, o ajudasse a atingir determinados objetivos, nomeadamente no setor das obras públicas.

Assim, o MP admite que, como contrapartida pelo apoio ou facilitação de contratos entre o Estado e o Grupo Lena, Barroca transferiu 2,875 milhões de euros para Sócrates, através de contas tituladas por Carlos Santos Silva. Este valor serviria para agradecer favores tais como a contratação de empresas do grupo para o projeto Parque Escolar, a construção de casas pré-fabricadas na Venezuela ou a concessão ao Elos do negócio do TGV.

Novos arguidos Em julho, surgiram dois novos arguidos na Operação Marquês. Luís Marques e José Luís Ribeiro dos Santos, dois altos funcionários da Infraestruturas de Portugal (tendo o último sido também deputado do PSD durante os governos de Durão Barroso e Santana Lopes), são suspeitos de estarem relacionados com o negócio ruinoso da linha de alta velocidade.

Luís Marques desempenhou funções na RAVE, empresa que tinha como objetivo o desenvolvimento de estudos para a construção do TGV em Portugal. Extinta em 2011, foi incluída na Refer, que em 2015 passou a integrar a Infraestruturas de Portugal. Luís Marques é suspeito de ter concedido informações privilegiadas ao Grupo Lena no âmbito do negócio do TGV.

O arguido terá recebido cerca de 87 mil euros pelos seus serviços de consultoria através da empresa Projae, da qual detém 88%, ‘serviços’ estes que segundo a investigação do MP serviram apenas para encobrir o favorecimentos à empresa de Barroca.

Também José Luís Ribeiro dos Santos é suspeito de ter favorecido o Grupo Lena neste negócio. No seu percurso profissional, Ribeiro dos Santos terá passado pela empresa de que Joaquim Barroca era um dos donos e administradores, tendo sido também presidente da Estradas de Portugal, administrador da RAVE, vice-presidente da Refer e vice-presidente da Infraestruturas de Portugal. Ribeiro dos Santos terá funcionado como intermediário do Grupo Lena junto de elementos da RAVE, conseguindo informações exclusivas e essenciais para a apresentação da proposta do Elos para o negócio da linha de alta velocidade.

Outra das questões que levantaram suspeitas à equipa que investiga a Operação Marquês foi a ligação de Ribeiro dos Santos à XMI Management & Investments SA. Esta empresa, que começou por se chamar Lena Managements & Investments SA, era uma das sociedades que, segundo o MP, recebera compensações monetárias dirigidas a José Sócrates.

A Operação Marquês conta já com 30 arguidos. José Sócrates é suspeito dos crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Carlos Santos Silva, Armando Vara, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Ricardo Salgado são outros dos arguidos mediáticos neste processo, cuja acusação deverá ser formulada pelo MP no próximo mês de setembro.