Algarve: trabalhadores a menos para turistas a mais

À falta de pessoal para trabalhar nos restaurantes e hotéis algarvios vale tudo: horas extraordinárias, turnos duplos, funcionários a dormir em parques de campismo e até carrinhas que todos os dias levam e trazem trabalhadores do Alentejo.

Entre fotos de Figo com Beckham ou de Paulo China com Morgan Freeman, há um cartaz que se destaca. «Empregado precisa-se», lê-se numa folha A4 colada na porta do vidro do conhecido 7 Café, na marina de Vilamoura. «O aviso está sempre ali. Agora já nem tiramos», explica Cardoso, o supervisor de um espaço que se habituou a ter sempre gente a bater à porta para uns meses de trabalho, sobretudo no verão. «Agora somos nós que temos que andar atrás», admite, lembrando ainda os casos daqueles que aparecem um dia e nunca mais voltam. «O pessoal de cá procura emprego, mas não procura trabalho», ironiza.

A falta de pessoal para trabalhar em hotelaria no Algarve, principalmente durante o verão, não é um problema novo. «O aumento do turismo aconteceu numa altura em que muitos jovens emigraram devido à crise e muitos estrangeiros voltaram ao seu país de origem», refere ao SOL Elidérico Viegas, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).

E tendo em conta que os trabalhos de verão são normalmente distribuídos entre os mais novos e os imigrantes, neste momento, o responsável acredita que serão 5 mil os trabalhadores em falta na zona sul do país, com as tarefas de cozinheiro, empregado de mesa, empregado de quarto e limpeza a encabeçar esta lista de necessidades.
Com um país a rumar a Sul nos meses quentes, também a procura de trabalho toma essa direção. É por isso que à mesa, ao balcão ou na cozinha, o sotaque é quase sempre do Norte.

Albergues de funcionários

Jorge veio da Póvoa do Varzim no expresso da meia-noite porque tinha uma entrevista de manhã cedo. Aquele que seria um trabalho de três meses no 7 Café acabou por se arrastar até hoje e, na impossibilidade óbvia de ir e vir todos os dias, optou por ficar na casa que o patrão aluga aos funcionários. «No meu caso, só pago nos meses em que me porto mal, ou seja, aqueles em que me atraso ou que não apareço em condições para trabalhar. Só aconteceu duas vezes», conta entre risos.

Já Eurísio Rosa, de 18 anos, não tem essa benesse. Para vir da Guarda, onde estuda, para Portimão, tem que abdicar de 190 dos 750 euros que ganha por mês a trabalhar na cozinha do Hotel Vila Galé, para a renda de um quarto que divide com mais três pessoas até setembro.

A transformação de apartamentos em autênticos albergues de funcionários é a solução mais comum, principalmente numa altura em que também o alojamento é escasso. «Não há casas para alugar e as que existem estão a preço de turista. Não se pode pedir a uma pessoa que venha ganhar dinheiro durante uns meses que pague uma renda de 600 euros», explica ao SOL Ricardo Mariano, diretor da empresa de trabalho temporário ‘Timing’, com sede nas principais cidades algarvias. E é por isso que, nos últimos anos, têm surgido alternativas ao arrendamento, nomeadamente viagens diárias desde casa até ao local de trabalho.

«Há muita gente de Faro e Olhão – zonas menos turísticas – a trabalhar em Albufeira e Vilamoura, por exemplo», refere Ricardo. A ‘Timing’ disponibiliza 16 carrinhas e dois autocarros para esse transporte que mais recentemente tem chegado até ao Alentejo. «Temos pessoas das terras perto da fronteira – Castro Verde, Ourique, Almodôvar – a ir e a vir todos os dias», salienta. A AHETA tem conhecimento desta situação que acredita ser «de recurso» e que, reconhece, «está longe de ser o procedimento ideal».

Numa solução igualmente extrema, mas que não exige tantas horas passadas na estrada, estão Miguel, André e Beatriz, habitués dos trabalhos temporários no Algarve. Os três estudantes de Lisboa trabalham no bar Bon Vivant, em Lagos, no qual o patrão se mostra alheio às condições de alojamento dos trabalhadores. Na impossibilidade de alugar uma casa, os três amigos partilham tendas durante três meses, mas nem por isso poupam em relação à renda de um quarto. «Ganhamos entre 35 e 40 euros por noite, mais gorjetas e, mesmo a dividir tenda com amigos, pago 10,5 euros por noite», explica André.

Habituados a ter filas de gente interessada em trabalhar durante o verão, os patrões veem-se obrigados a mudar de estratégia – que passa agora por anúncios à porta, recrutamento no centro de emprego e em empresas de trabalho temporário e o boca-a-boca.

Mesmo com os proprietários a tomar a iniciativa, não houve um único que contactado pelo SOL não admitisse que faltam funcionários. E dizem que a alternativa passa por pedir horas e turnos extra e por baixar a exigência na hora do recrutamento.

«Se há uns cinco anos ninguém era contratado sem ter experiência na área, agora basta ter uma boa apresentação», garante o diretor da ‘Timing’.

‘Números enganadores’

No 7 Café, aos mais inexperientes só é exigido que andem limpos e que saibam inglês, ficando encarregues apenas do serviço de levar à mesa os pedidos. Já no restaurante Evaristo, em Albufeira, a inexperiência é aproveitada como tábua em branco. «Prefiro que venham sem vícios de outros sítios, assim ensino-os a servir à moda da casa», garante o gerente, Jorge Gonçalves. O responsável prefere gastar algum tempo com a formação mesmo que muitos não fiquem mais do que três meses.

É exatamente esta sazonalidade do emprego no Algarve que o presidente da AHETA quer combater. «Somos a zona do país com menor taxa de desemprego, mas os números são enganadores», garante, «até porque a maioria tem que trabalhar a dobrar durante meio ano para compensar o outro meio». 

Assim, como responsável pela associação de hotelaria do sul do país, Elidérico propõe como solução uma parceria entre o setor público e o privado para que o subsídio de desemprego se transforme em subsídio de formação. «A época baixa poderia servir para formar profissionais na área que, quando chegassem ao verão, tivessem condições de prestar um melhor serviço», explica. «Todos teriam a ganhar com equipas mais estáveis e duradouras».