Marcelo e PSD: reconciliação entra nos Carris?

O Presidente não promulgou um diploma da ‘geringonça’. O PSD aplaudiu e a esquerda não gostou. Depois de uma entrevista de ‘afastamento’, há veto

A silly season teve direito a veto. Ontem, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou o veto ao diploma que impediria a Câmara Municipal de Lisboa de concessionar a Carris a empresas privadas, garantindo exclusividade da sua gestão.
Na página oficial da presidência da República, lia-se que o Palácio de Belém “devolveu, sem promulgação, o decreto da Assembleia da República que altera o regime do serviço público de transporte coletivo de superfície de passageiros na cidade de Lisboa”, justificando-o em três pontos. 

Para Rebelo de Sousa, “num Estado de Direito democrático, o legislador deve conter-se, em homenagem à lógica da separação de poderes, não intervindo, de forma casuística, em decisões concretas da Administração Pública, que têm de atender a razões de natureza económica, financeira e social mutáveis”. O Presidente apela, nesse sentido, a uma lógica menos centralista, na medida em que, para si, são as administrações locais que se encontram “em melhores condições para ajuizar, até por se encontrar mais próxima dos problemas a resolver”. 

“Mesmo que essa indesejável intervenção legislativa possa não ser qualificada de inconstitucional – e, por isso, não suscitar a correspondente fiscalização –, pode ser politicamente contraproducente, e, por isso, excessiva e censurável”, adverte o chefe de Estado português.

O facto de o diploma impor “ao governo e às autarquias locais um regime que proíbe qualquer concessão da Carris mesmo que tal possa vir a corresponder um dia à vontade da autarquia local” é outro dos problemas enumerados que representa, diz a Presidência, “uma politicamente excessiva intervenção da Assembleia da República num espaço de decisão concreta da Administração Pública – em particular do poder local – condicionando de forma drástica a futura opção da própria autarquia local”.

A avaliação, portanto, não parece nada positiva. Marcelo Rebelo de Sousa incentiva mesmo o parlamento a aproveitar “a oportunidade de ponderar de novo a matéria”. 

O diploma ontem vetado surge de uma apreciação parlamentar pedida pelo PCP que introduziu alterações agora vetadas por Belém, como a proibição de qualquer concessão futura da Carris e a proibição de  qualquer modificação aos contratos coletivos de trabalho em vigor. Estas alterações foram aprovadas a 7 de julho com votos a favor dos partidos que compõem a solução de governo conhecida como ‘geringonça’ e votos contra de PSD e CDS; coisa que aliás se fez recordar no dia de ontem.

Um presidente afinal laranja? “Não podemos estar mais de acordo” com o sr. presidente da República é algo que não se tem ouvido muito da parte do Partido Social Democrata, que o apoiou nas eleições presidenciais, nos últimos tempos. Ontem, todavia, aconteceu.  E o veto ao diploma da ‘geringonça’ foi o exato motivo. “Nós soubemos da decisão do sr. Presidente da República e não podemos estar mais de acordo com os argumentos que ele invoca, porque foram os mesmos que usámos nos debates que decorreram na Assembleia da República”, disse Luís Leite Ramos, do PSD, à Lusa. 

Para os sociais-democratas, o diploma corresponde a uma “tentativa de condicionar o próprio do exercício da autonomia municipal”, visto que impõe “um modelo de gestão ao município de Lisboa relativamente à exploração e gestão da Carris”. Por outro lado, o PSD critica também a  “preocupação de sinalizar que a iniciativa privada não é bem-vinda na exploração e na gestão dos transportes públicos”, pois ficariam “impedidas de operar nos transportes públicos de Lisboa”. 

A Câmara Municipal de Lisboa também reagiu, reiterando o seu propósito de “manter a empresa na esfera municipal com gestão direta e o seu forte empenho em continuar a investir para recuperar significativamente a qualidade do serviço prestado”, considerando que o veto presidencial “não põe em causa a passagem da Carris para a Câmara Municipal de Lisboa”, que se deu em fevereiro deste ano. 

Da esquerda, a reação mais tempestuosa foi a do Bloco que, na voz do candidato a Lisboa Ricardo Robles, acusou Marcelo de praticar “claramente um veto político”. “Não aceita que possa continuar a ser um serviço público”, disparou Robles sobre o Presidente e a Carris.