O vídeo-árbitro em Belém

O futebol voltou. A seca também. O país continua a arder. Mas temos é de ver se o vídeo-árbitro muda alguma coisa … ou não

Regressaram as competições oficiais de futebol. O Benfica de Luís Filipe Vieira e Rui Vitória jogou no sábado passado com o Guimarães conquistando a Supertaça, a Liga arrancou no domingo com o Sporting de Bruno de Carvalho e Jorge Jesus a impor-se sem problemas ao modesto e recém-promovido Desportivo das Aves, o FC Porto de Pinto da Costa e Sérgio Conceição estreou-se na competição na quarta-feira com uma goleada ao Estoril antes de a Luz se encher para a receção vitoriosa ao Braga.

O país continua a arder, com os cenários de descontrolo e descoordenação a repetirem-se, país fora, de norte a sul, o vento com rajadas ciclónicas (a norte e centro) desajuda e as ondas de calor prometem agudizar os problemas.

Para além da seca, terrífica.

Mas há futebol. As conferências de imprensa obrigatórias, o vídeo-árbitro, ainda as transferências que o mercado só fecha no final do mês, sobretudo o jogo jogado que move multidões e invade as televisões e páginas dos jornais, porque o povo é sereno e quer é saber de bola.

As autárquicas hão de chegar só lá para depois das férias grandes e do reinício das aulas e, tirando os partidos, os candidatos em compita e os juízes que tiveram de aprovar ou chumbar as listas das candidaturas, quase mais ninguém ainda verdadeiramente se preocupa com quem deverão ser os homens que governarão as autarquias no próximo quadriénio.

E a seca, senhores? Assustadora.

O Governo recebeu os primeiros relatórios de apuramento de todas as responsabilidades pelo que se passou em Pedrógão Grande, analisou-os e finalmente divulgou-os em conferência de imprensa da ministra Constança Urbano de Sousa e do seu secretário de Estado Jorge Gomes.

Nada de novo. Tudo o que já se sabia e foi sendo divulgado, porque o país testemunhou em direto o descontrolo do comando e as múltiplas falhas de quem tem por obrigação defender as populações e seu património.

A conferência de imprensa esperou pelo início da época futebolística, que assim como assim interessa menos e a menos gente. E ver governantes a sacudir a água do capote, que é como quem diz a desresponsabilizar-se pelo erros de quem deles depende e por eles, ou com seu assentimento, foi nomeado, faz impressão.

Tal tentativa de desresponsabilização chega a roçar o grosseiro, pelo desrespeito, desde logo, pelas vítimas e seus familiares; a seguir, pela inteligência de todos. Número anormal de chamadas para o 112? Anormal? Numa tragédia como a de Pedrógão está-se à espera de quê? Que as pessoas liguem para o centro de saúde? (Já agora, façam a experiência: em Lisboa e arredores é quase impossível ligar com êxito para um centro de saúde. Ou se conhece e se tem o número da médica ou de enfermeiro ou de outro funcionário ou bem se pode ligar – dizem-me que as centrais telefónicas, com linhas a menos para tantos utentes, permitiram poupar uns largos milhões. Depois, não admira!!!).
É como a seca, esse calvário.

Há uma expressão que se tornou moda no mundo do futebol: «À condição» (x clube é líder, segundo, terceiro ou outra coisa qualquer «à condição», porque o jogo, televisionado, foi antecipado ou outro qualquer adiado para poder também ser transmitido em direto, que rende mais).

A introdução do vídeo-árbitro tornou o jogo todo «à condição». É golo? Celebra-se mas há que olhar bem o árbitro e esperar pela confirmação do… vídeo-árbitro. A bola no fundo das redes e a ausência de sinal do bandeirinha ou do homem do apito deixou de ser suficiente – o braço esticado a apontar o círculo central passou a demorar mais tempo.

Na política nacional estamos na mesma. A ministra e o secretário de Estado da Administração Interna também já só são membros do Governo ‘à condição’. Saem quando o árbitro lhes apontar o caminho das cabines, depois de o treinador ordenar a substituição. É só uma questão de tempo.

Como eles, Azeredo Lopes – os inquéritos ao inacreditável roubo de Tancos continuam e ninguém, mesmo ninguém, foi ainda responsabilizado. Também nesse escandaloso caso já tudo está mais do que percebido. Mas enquanto o pau vai e volta folgam as costas.

O Presidente da República, que sempre fez parte deste jogo jogado, levando a equipa do Governo ao colo, passou entretanto para vídeo-árbitro. E já veio repetir que é preciso apurar tudo até às últimas consequências, doa a quem doer.

Pois, mas até ver… Porque pelo caminho que vamos, entre relatórios parcelares, mais esclarecimentos, mais procedimentos, mais processos disciplinares, só há ainda um responsável conhecido: um subdiretor-geral que terá mandado as duas carrinhas móveis do SIRESP para arranjar naquele fim de semana fatídico.

Todos ou outros, para já, continuam a ser irresponsáveis.

Pode ser que entretanto alguém se lembre de que o país está seco. E que há que fazer alguma coisa urgentemente.
Porque, a continuar assim, vamos ter outra tragédia. E depois lá teremos de abrir novos inquéritos e dar tempo ao tempo para se apurar como foi possível chegarmos a tal ponto.

Ah, o Sporting de Bruno e Jesus voltou a jogar ontem com o Setúbal e este fim de semana há mais Benfica de Vieira e Vitória e mais FC Porto de Pinto da Costa e Conceição. E por aí adiante.

Há que ter toda a atenção, porque o vídeo-árbitro ainda vai dar bota, se é que já não deu.