Ouro. Glória para Inês Henriques, mas a federação queria mais

A atleta do CN Rio Maior, que já detinha o recorde mundial, foi a primeira a vencer a prova de 50 km marcha feminina em campeonatos do Mundo, terminando mesmo à frente… de um homem

O melhor da participação de Portugal nos Mundiais de atletismo de Londres ficou guardado para o fim: Inês Henriques conquistou ontem a medalha de ouro nos 50km marcha, a única para as cores nacionais. Um dia de festa para Portugal, mas que será sol de pouca dura, pelo menos atendendo às palavras do presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, para quem os resultados globais da participação portuguesa, representada em Inglaterra por 20 atletas, ficaram “aquém do esperado”.

“Neste momento, é altura de celebrar o sucesso de hoje [ontem], mas amanhã [hoje] será certamente um momento de reflexão sobre os ‘feridos’ desta competição, isto é, aqueles que saem desta competição longe do seu melhor. Não chegaram aos resultados que poderiam e deveriam ter chegado, porque estão aqui a seguir a uma época e a uma preparação para chegar a esse ponto, ao seu melhor ponto da época”, disparou Jorge Vieira, aludindo mesmo a “comportamentos técnicos que devem ser observados com especial atenção” pelo departamento técnico. “Queremos crer que estes atletas que tiveram menos resultados terão capacidade para fazer melhor. Acreditamos que têm talento e já fizeram grandes resultados e queremos que se tornem numa constante”, atirou o dirigente, dispensado elogios somente a Inês Henriques – “É uma época e uma vida dedicada à marcha com muito treino, muita dedicação, muito sacrifício. Foi algo extraordinário” – e Nelson Évora, que conseguiu a medalha de bronze no triplo salto: “É um atleta que, apesar de ter como hábito ganhar e superar-se, consegue surpreender-nos sempre.”

outra medalha portuguesa

Será justo dizer-se que houve outras participações positivas, apesar da ausência de medalhas. O sexto lugar de Ana Cabecinha nos 20 km marcha femininos, a 11.ª posição de João Vieira nos 50 km marcha masculinos, a qualificação de Susana Costa para a final do triplo salto e de David Lima, estreante em Campeonatos Mundiais, para a meia-final dos 200 metros.

Ontem, porém, os holofotes foram todos para Inês Henriques, naquela que foi a primeira prova de sempre de 50km marcha femininos em Mundiais, com sete mulheres a correr ao lado dos homens. A atleta portuguesa de 37 anos, ligada ao CN Rio Maior, concluiu a prova em 4h05m56s, batendo assim o recorde mundial que já lhe pertencia desde janeiro, quando fez 4h08m25s em Porto de Mós. Curiosamente, conseguiu até terminar à frente… de um homem, o boliviano Ronal Quispe (4h08m2s). No fim, descreveu o momento como a “recompensa de 25 anos de trabalho”, naquela que foi a segunda medalha portuguesa na marcha, depois do bronze conquistado em 2005 por Susana Feitor em Helsínquia, nos 20 km. Mereceu, mesmo, os aplausos “cibernéticos” dos mais altos agentes governativos nacionais. “Mais uma notável prestação de uma atleta portuguesa que eleva o nome de Portugal e projeta o atletismo e o desporto nacional”, escreveu Marcelo Rebelo de Sousa na página da Presidência da República; “brilhante”, considerou o primeiro-ministro António Costa no Twitter.

Agora, são 19 as medalhas conquistadas por Portugal em Mundiais de atletismo, com Nelson Évora (quatro: uma de ouro, uma de prata e duas de bronze) e Fernanda Ribeiro (uma de ouro, duas de prata e uma de bronze) destacados na np número de conquistas. Que começaram com o ouro de Rosa Mota na maratona de 1987, em Roma. Domingos Castro, Manuela Machado, Carla Sacramento, Carlos Calado, Rui Silva e Susana Feitor compõem o lote de mundialistas medalhados por Portugal.

E até se pode dizer que o ouro na prova masculina também é um bocadinho português. É que o vencedor, o francês Yohann Diniz, é luso-descendente (neto de um português) e dedicou a vitória “à família portuguesa” que reside em Mirandela. “Estou feliz por oferecer este título à França, mas também à minha família em Portugal. Foi um bom dia para França e Portugal. Fico muito contente pela Inês, por ter conquistado o primeiro título de 50 km femininos”. Yohann Diniz, campeão europeu em 2006, 2010 e 2014, era já o detentor do recorde do mundo (3h32m33s), mas nunca havia conseguido sagrar-se campeão mundial. Fê-lo agora, com o tempo de 3h33m11s – um novo recorde dos campeonatos –, aos 39 anos, tornando-se no mais velho vencedor de uma medalha de ouro num Mundial de atletismo.