O PREC, os sindicatos e o barbeiro

A mercearia da aldeia assegurava um  outsourcing imbatível em custo e atenção aos clientes

O encerramento de balcões e os despedimentos na banca estão na ordem do dia. Estamos a viver um PREC, mas ao contrário. 

Com as nacionalizações, os bancos invadiram o Portugal profundo e foi um fartar de espalhar agências por tudo quanto era rua ou praça com mais de cem passantes. Agora é a debandada.

Em 1974, o número de agências pouco passava das 1.000 e o total de bancários andaria pelos 10.000. Simplesmente, uns 6.000 bancários-correspondentes, espalhados por vilas e aldeias, asseguravam a ‘banca de proximidade’ – que estava a cem metros da casa, sempre disponível para pagar a pensão, a transferência do emigrante, ou, mesmo, para ‘descontar’ o vale de correio. Para grande benefício dos bancos, a mercearia da aldeia assegurava um  outsourcing imbatível, em custo, eficiência e atenção aos clientes, que dispunham de serviço bancário sete dias por semana, até à 7 da tarde, na mercearia, ou até à meia-noite se fosse no café do Sr. Alcides.

Sob o pretexto de que a banca nacionalizada poderia ser sabotada pelos correspondentes – que eram privados –, uma lei parva acabou com eles. Por obra e graça dos sindicatos e do Partido Comunista, multiplicaram-se as agências e os bancários. A explicação era um ardil – um ‘banco da terra era o progresso’ – mas o objetivo era outro: os sindicatos queriam sócios, a Intersindical mandava.

Diga-se a verdade, na vila todos ajudaram à festa. À cabeça, o barbeiro, em cuja cadeira se sentava o dono da mercearia que queria vender a loja, porque o negócio já não dava. A partir daí, o processo acelerava: uma palavra aos ‘cabecilhas’ dos partidos e ao presidente da Junta, e a unanimidade estava garantida: ninguém queria ser acusado de travar o progresso. 

A concelhia estava à distância  de um telefonema, e em Lisboa havia sempre alguém de serviço para tomar boa nota e dar seguimento… 

Passado um mês, o nome de Folgosinho já constava da lista do Banco de Portugal. E, no dia da inauguração, os campeões do bem fazer faziam fila para receber os cumprimentos do povo agradecido: pessoal dos partidos, presidentes da Junta e da Câmara, vereadores, deputados e, é claro, o barbeiro. Na boca de cada um, a benfeitoria era obra sua! 
Rapidamente, o número de balcões cresceu de 1.000 para 6.000, e o de bancários de 15.000 para 60.000, com os custos a subirem em flecha. Mas todos viviam felizes: os lucros, reais ou aparentes, davam para tudo. Depois veio a crise. Feitas as contas, o negócio já não dá! O número de habitantes baixou para metade e os que restam são reformados com pensões magras. A escola e o posto médico já se foram, o posto dos Correios está em risco e a agência bancária segue o mesmo caminho: reduz ou encerra. Tudo muito triste. Na hora da retirada, não haverá foguetes, só protestos. 

Para os lados do Banco de Portugal a imaginação parece ter-se finado. Perdida a memória dos velhos correspondentes, a ninguém ocorreu que um banco pode representar todos os outros, e que o posto dos Correios, ou, mesmo, a Junta de Freguesia, podem perfeitamente assegurar a antiga banca de proximidade.